Pietra Galutty 28/10/2023
Os atravessamentos da obra de H. Hilst
Reler Hilda Hilst agora em nova edição, uma nova casa para antigos conhecidos, só me reforça aquilo que eu já tinha por certeza: ela é minha autora favorita da literatura nacional. E nesta mistura de paixão e profundo contentamento iniciei minha reconexão com a sua poesia.
Estamos aqui sempre a beira de dualismos: a expectativa do encontro e a convicção da despedida; a aspiração pela eternidade e o transitório como trágica certeza. Esta coletânea de 50 poemas, pouco volume se comparado à vasta produção da autora, ainda assim logra em fazer um bom compilado da obra romântica de Hilst -- de Presságio (1950) a Cantares do Sem Nome e de Partidas (1995).
Os solilóquios do amor não se eternizam
(18, roteiro do silêncio, p. 17)
Apesar do amor eternizado, da mágica aspereza, Hilst consagra a certeza de que o amor, por vezes, pode levar à solidão:
somos humanos e frágeis
mas antes de tudo, sós
(XX, balada do festival, p. 13)
Que o amor, por vezes, pode levar à inconformidade consigo e à expectativa por mudanças, quando muito se pretende manter o objeto do desejo pela eternidade:
Aflição de ser eu e não ser outra
(...)
aflição de ser água em meio à terra
(I, roteiro do silêncio, p. 21)
Como devemos amar? amar apenas é, em si mesmo, suficiente? Penso que deliberar amar seja a resposta quando a pergunta inicial se faz presente:
Amas, te sentindo invasor
e sorrindo
Ou te sentindo invadido
e pedindo amor
(4, roteiro do silêncio, p. 24)
Eu, ao meu objeto do amor, posso querer aquilo que não posso ter. Esta é a condição humana refletida no amor romântico:
A quem te procura, calas
a mim que pergunto, escondes
(...)
e buscas a quem nunca te procura.
(X, poemas malditos, gozosos e devotos, p. 29)
O amor é um ato irreparável em H. Hilst, posso tentar dele me esquivar mas a tentativa, por si só, já nasce falha. Como a chuva que cai após um dia ensolarado, o amor também tem consequências:
Amor tão grande
tão exaltado
Que se não morre
também não sabe viver calado
(...)
Tenho sofrido
porque de amor tenho vivido
(XI, trovas de muito amor para um amado senhor, p. 66)
Me fizeram de pedra
quando eu queria
ser feita de amor
(VI, presságio, p. 74)