Queria Estar Lendo 13/08/2021
Resenha: Garotas de Neve e Vidro
Garotas de Neve e Vidro foi minha segunda leitura concluída na MLI2021 e uma grande e agradável surpresa! A fantasia única de Melissa Bashardoust é uma releitura de A Branca de Neve com romance sáfico e uma relação familiar especial.
A história se divide entre dois pontos de vista. Lynet, a princesa de um reino amaldiçoado a permanecer sob neve e inverno para sempre por causa de uma antiga rainha. E Mina, sua madrasta. Enquanto os pontos de vista de Lynet se passam na atualidade, os de Mina mostram o caminho que a levou a se tornar a rainha de Primavera Branca.
Ambas as personagens têm uma conexão com magia e neve e vidro e, aos poucos, a autora tece a releitura do clássico conto de fada com foco em amor entre mãe e filha, ressentimento, inveja e desejo de ter controle sobre suas próprias escolhas.
"- O que era a vida de uma rainha em comparação com a lenda criada para ela após sua morte?"
Garotas de Neve e Vidro é um livro curioso, rápido e extremamente cativante. Apesar de reler um dos meus contos de fadas menos favoritos, foi com alegria que eu peguei uma história recheada de personagens femininas fortes e um desenvolvimento primoroso em cima de suas tramas individuais.
Lynet e Mina são muito diferentes, mas dividem semelhanças que as tornam tão essenciais uma para a outra - e para a trama principal.
A princesa do reino gelado é uma adolescente fiel ao pai, que carrega a imagem da rainha morta - com quem Lynet se parece à imagem e semelhança - de maneira melancólica e apaixonada ao extremo. Para o rei, Lynet é o símbolo da mãe que se foi e do reino que deve governar futuramente. Ela deve ser tudo que a rainha não pode ser. Deve representar o papel da maneira com que ele sonha desde sempre.
Lynet, por outro lado, busca liberdade nos poucos momentos em que encontra. Escalando árvores, espionando a cirurgiã da corte - por quem seu interesse cresce ao finalmente conhecê-la e entendê-la melhor - e nos momentos em que consegue com a madrasta, que, mesmo fria e distante, é a figura materna que ela nunca teve.
O romance entre a Lynet e a cirurgiã, Nadia, é sutil e se desenvolve com o tempo. É fofo de acompanhar e adiciona uma camada extra à personalidade até então vazia de experiência que Lynet tinha.
Eu gostei muito dos conflitos que a Lynet teve no desenrolar da história. As discussões sobre legado e servir a um propósito para outras pessoas, deixando para trás quem você realmente é nesse caminho. Ela foi uma personagem interessante e complexa, assim como a madrasta; tomou algumas decisões meio estúpidas, mas eu dou a carta de perdão pela inexperiência da personagem.
Mina, por outro lado, que personagem incrível do começo ao fim! Nos seus capítulos, conhecemos seu passado marcado por solidão, por ser filha de um mago - e um mago que pouco faz por ela - e a marca que a magia deixou em sua vida.
"Mesmo em suas memórias, Lynet sempre via Mina como uma chama, feroz, indomável e régia."
No presente, ela é régia e fria, mas carrega tanta emoção quanto antes. Mina pode ser uma personagem gelada, mas os motivos por trás disso são extremamente bem desenhados na trama. Seu afastamento de Lynet, a maneira com que ela trata o rei - seu marido - e o caçador, a amargura que carrega pelo pai. Tudo isso faz muito sentido quanto mais conhecemos de Mina.
Sua relação com a Lynet foi a melhor coisa do livro, disparado. É um relacionamento de mãe e filha, mas marcado por rancor e solidão. É uma família que precisa muito conversar, mas que não encontra tempo para isso nos conflitos que surgem. Você torce para que tudo dê certo, mas não dá para saber exatamente os rumos que a história vai tomar.
O espaço que a autora usa para falar sobre a toxidade das relações das personagens com os personagens masculinos é excelente. O rei, pai de Lynet, é nocivo tanto para a filha quanto para a recente esposa; ainda que não de maneira consciente, ele se prende tanto à figura morta da rainha - que a gente nem sabe se realmente era como ele diz ser - que deposita expectativas sufocantes em sua filha por isso. E, com medo de perdê-la para a presença da madrasta, proíbe as duas de se aproximarem tanto quanto deveriam. Cria uma ruptura entre as personagens que poderia ter sido tão saudável para as duas.
Já Gregory, pai de Mina e mago da corte, é um abusivo ridículo de grau maior. Criou a filha com a ideia de que o abandono da mãe e sua condição, relacionada com a magia, jamais permitiriam que Mina entendesse o que é amar e ser amada. O quanto isso a afeta no decorrer da história é uma prova da toxidade da relação com o pai.
A releitura em si ficou bem cativante. Como alguém que não gosta de Branca de Neve, eu amei todas as referências e a maneira com que a autora conseguiu inserir tudo do conto original aqui, do começo ao fim.
A única coisa que eu não gostei no livro foi da tradução - ou da edição dela. Achei que muitas sentenças ficaram estranhas ou mal acabadas, repetição de palavras sem necessidade. Enfim, parece que tirou um pouco o tom da narrativa.
Garotas de Neve e Vidro é uma fantasia única sobre família, legado e sobre amor - todos os tipos dele. Eu me surpreendi do começo ao fim e terminei querendo ler mais histórias da autora.
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