Kennia Santos | @LendoDePijamas 03/10/2018"Às vezes sentia que, não importava o que fizesse, nunca seria suficiente."Título: Céu Sem Estrelas
Autora: Iris Figueiredo
Classificação: 4/5
Cecília acabou de completar dezoito anos e deveria estar exultante com o pontapé na vida adulta, mas não está. Acabou de perder seu emprego e teve uma briga horrorosa com sua mãe que a expulsou de casa. Ela deveria ir para casa da sua avó, mas decide ir passar um período na casa de sua amiga Iasmin.
Aos olhos de Cecília, Iasmin vive uma vida dos sonhos: além de viver numa casa maravilhosa com seus pais e seu irmão, Bernardo (por quem ela sempre nutriu uma paixonite secreta), ela ainda se encaixa totalmente no padrão de beleza atual, coisa que Cecília definitivamente não faz, principalmente por causa do seu corpo "grande".
"Tudo estava esquisito, a começar por mim. Tinha passado muito tempo sendo mais de uma pessoa, me escondendo atrás de máscaras para me proteger. Agora me via obrigada a despir o disfarce e contar detalhes da minha vida bagunçada a quem estivesse disposto a ajudar. Era o mínimo que eu devia àquelas pessoas, o que não tornava nada mais fácil. Desabafar era desgastante." (p.83)
Como consequência ela começa a passar mais tempo também com Bernardo, coisa que ela não pensava ser possível afinal ele sequer parecia reconhecer sua existência, e descobre que na verdade a casa que ela julgava ser perfeita, é na verdade cheia de rachaduras. Em meio à encontros e desencontros, ela se vê envolvida em um tipo de relacionamento com ele.
O mundo dos dois colidem de forma radical, ela, com suas inseguranças e medos e ele com seus segredos fazem de tudo para encontrar um ponto de equilíbrio. E é quando algo acontece e rompe com tudo de forma abrupta e dolorosa, levando-os à direções opostas.
Será que em meio a tantos sentimentos e emoções confusos, eles conseguirão superar as diferenças que parecem cada vez maiores?
"Às vezes, você tinha a sorte de encontrar alguém que era capaz de ouvir as questões existenciais que você tinha para compartilhar sem rir ou fazer pouco caso." (p.228)
Em "Céu Sem Estrelas", Iris Figueiredo nos apresenta uma história incrivelmente tocante e real, abordando temáticas sensíveis de forma muito realista e verdadeira.
Cecília é uma personagem muito sofrida, devido a diversas circunstâncias de sua vida, como o fato de ter sido abandonada pelo pai, seu relacionamento turbulento com a mãe e seus extremos complexos com relação à si mesma e seu corpo.
"Passava a maior parte do tempo escondendo meus sentimentos, medos e inseguranças. Não queria que vissem aquela parte de mim, vulnerável, e tentava ao máximo disfarçar quem eu era." (p.44)
Eu já li alguns livros que tinham como protagonista uma personagem acima do peso, mas NENHUM deles representou de forma tão fiel e real todos os sentimentos e lutas internas como esse. Digo isso porque sou gorda, e caramba, eu já estava chorando na página 50. E nem chorona eu sou. Às vezes eu me confundia com a Cecília, de tão similares que todas as situações e sensações eram.
"Às vezes eu me pegava pensando como minha vida seria mais fácil se eu fosse magra e pudesse comprar roupas em qualquer lugar, como uma garota normal." (p.115)
"Nunca gostei de comprar roupas, por isso a maioria das peças que eu tinha já podiam quase andar sozinha. Era sempre um momento cansativo e vergonhoso. Como se meu corpo não tivesse direito de existir. Como se eu não tivesse direito de existir." (p.126)
"Só queria me ver livre daquele sentimento, parar de me preocupar tanto com minha aparência." (p.129)
O Bernardo é um personagem muito incrível, também. Porque em momento nenhum ele vê a Cecília como "a menina gorda", ele a enxergava como uma menina como todas as outras. Eu ficava lendo e pensando "MEU DEUS, ISSO É REAL? ISSO É POSSÍVEL?". Sério, eu fiquei completamente chocada e impactada. E maravilhada, também. Afinal nas situações em geral a gordinha fica com o sequelado, ou o esquisito, mas Bernardo é completamente normal.
"Às vezes me perguntava o que queria da vida, para onde estava indo, o tipo de coisa em que a gente se pega pensando de madrugada, quando ninguém pode entrar na nossa cabeça e ver o quanto é uma bagunça." (p.184)
Porém, o andamento do livro a partir da segunda parte foi o que me incomodou um pouco. Acredito que a Iris tenha escolhido uma direção inadequada para a história, afinal, o desfecho foi um tanto "blé". Talvez se ela houvesse optado por uma abordagem diferente na parte 2 em diante, o enredo seria melhor aproveitado, em todos os quesitos.
Mas no fim das contas, o livro é muito bom e importante. Eu me senti abraçada em muitas, muitas partes mesmo. A escrita é incrível, muito boa mesmo: fluida e poética, reflexiva e potente. Recomendo muito!
"O amor é paciente. Ele é feito de respeito e apoio mútuos. Ainda tenho medo do abandono, mas procuro pensar todos os dias que aqueles que importam estarão sempre comigo. Que uns chegam e outros vão, mas que não posso aceitar menos do que eu mereço. Ainda estou descobrindo o que eu mereço." (p.349)