Helder 30/11/2018Escolhas desesperadasAyòbámi Adébáyo, a autora deste livro é nigeriana, tem 30 anos, foi colega de classe de Chimamanda Ngozi Adichie e teve Margaret Atwood como sua professora no curso de Escrita Criativa.
Este seu primeiro livro traz uma estória extremamente forte, que para nós brasileiros chega junto com um choque cultural, pois a realidade tratada aqui é algo muito distante da nossa cultura.
Na primeira parte da leitura, parece muitas vezes que estamos lendo sobre algo que aconteceu na era medieval, mas não, a autora ambienta sua estória nas décadas de 80, 90 e 2000, motivo pelo qual é difícil não se chocar com o inicio deste livro.
Fique Comigo conta uma estória de amor.
O livro começa em 2008, onde sabemos que o casal não está mais junto, mas volta à década de 80, onde Akin e Yejide se conhecem na universidade, se apaixonam e se casam tomando uma decisão: Serão monogâmicos. Diferente dos seus pais, que tem diversas esposas, costume normal na Nigéria de então.
Akin é o primeiro filho da primeira esposa de seu pai. Yejide é filha da segunda esposa de seu pai, que morreu eu seu parto. Yejide cresceu sendo rejeitada por suas madrastas e muitas vezes sendo responsabilizada pela morte da mãe pelo próprio pai. Sendo assim ela encontra em Akin e sua família, o apoio e conforto que nunca teve.
O casamento deles segue bem até que um dia a madrasta dela e o pai de Akin chegam à residência do casal com Funmi, uma garota mais nova, e informam que ela será a segunda esposa de Akin. Eles estão casados há 4 anos, porém até agora Yejide não conseguiu engravidar. Ambos fizeram exames e aparentemente não tem problemas. Mas a mãe de Akin não aceita mais esperar, então se Yejide não consegue realizar sua obrigação, ela deve ficar de lado e deixar a outra realizar o seu papel.
“Esta vida não é difícil, Yejide. Se não pode ter filhos, basta permitir que meu Akin tenha filhos com Funmi. Veja, não estamos pedindo que você deixe de ocupar seu lugar na vida dele, estamos apenas dizendo que deveria chegar para o lado para que outra pessoa possa sentar”
O texto da autora pega forte nesta e outras cobranças sofridas pela mulher nigeriana. Se o casal não tem filho, a culpa é da mulher que se torna uma pária dentro da família.
“Você já viu Deus em uma sala de parto parindo um bebê? Diga-me Yejide, já viu Deus na maternidade? As mulheres fabricam crianças, e se você não consegue fazer isso então não passa de um homem. Ninguém deveria chama-la de mulher.”
Yejide sente-se frustrada e traída, principalmente ao perceber que Akin já sabia daquela combinação, mas infelizmente não pode fazer nada contra a situação, pois na cultura do país todo homem tem que gerar descendentes. A cena inicial onde ela recebe a noticia de que está sendo substituída e ainda tem que continuar na posição submissa fazendo e servindo comida para os “convidados” chega a dar um embrulho no estomago, fisgando o leitor e nos deixando sem ação.
A entrada de Funmi no relacionamento do casal, mexe gravemente com a cabeça de Yejide, que passa a buscar maneiras alternativas para engravidar, como chás, rezas e até cultos, desencadeando inclusive uma gravidez psicológica.
Akin, realmente ama Yejide, mas não consegue se desvencilhar das convenções sociais. Ele evitou ao máximo aquele segundo casamento. Mas ao ver o estado de sua esposa, ele passa a tomar diversas decisões extremas que a autora irá nos expondo aos poucos, nos deixando cada vez mais chocados. Por mais que imaginemos o que tenha acontecido, quando a autora nos confirma, aquilo causa um incomodo.
Qual sacrifício você seria capaz de fazer por amor? Você está fazendo aquilo pela outra pessoa, ou por você mesmo? Amor ou egoísmo?
E os filhos chegam, mas aquilo que deveria ser a solução acaba se tornando um problema maior ainda que vai crescendo como uma bola de neve. Trazendo uma cruz impensável para este casal carregar.
São tantos erros. Tanta incompreensão. Tanta falta de dialogo e nada tinha me preparado para tudo aquilo. Quando você acha que eles já passaram por tudo, a autora cria mais uma situação difícil. O livro traz um turbilhão de sentimentos e nos faz calçar os sapatos de Yejide e Akin e pensar como teríamos agido sobre tanta pressão.
É um pensamento simplista dizer que nunca nos submeteríamos aquilo, pois na nossa distância cultural dizemos que aquilo é impensável, mas quanto não fazemos em nosso dia a dia para manter aparências, status, dinheiro. Não magoar aos outros. Não magoar a nós mesmos?
Este livro é sim extremamente atual. Até o nome, Fique Comigo, que parece um nome de romance barato tem um significado muito especial. Mulheres com certeza se envolverão mais com a estória, mas o texto deste livro é universal. É um livro sobre família, sobre sacrifícios e sobre empatia.
O final traz uma pequena redenção, mas impossível não sentir o peso da jornada e de todo o tempo perdido. Uma mentira nunca irá se tornar uma verdade por mais que acreditemos nela.
Leiam este livro e compartilhem com todos aqueles que você ama. É um livro necessário.
“Amei Yejide desde o primeiro momento. Não tenho duvida. Mas há coisas que nem o amor é capaz de fazer. Antes de me casar, eu acreditava que o amor podia tudo. Porém, logo descobri que ele não era capaz de suportar o peso de quatro anos sem filhos. Quando o fardo é pesado demais e o carregamos por muito tempo, até mesmo o amor se verga, racha, fica prestes a se despedaçar, e às vezes se despedaça de fato. Mas, mesmo quando está em mil pedaços aos nossos pés, não significa que não seja mais amor”.