Gabriela 28/12/2021
Fui atrás de ler Tiger Lily por conta de ser uma versão diferente de uma história conhecida, achei que seria interessante. Ao ficar sabendo desse livro, construí muitas expectativas, já que muitas pessoas que leram disseram que, nas entrelinhas, trata de assuntos importantes e sérios. Portanto, minhas expectativas foram superadas ao final do livro.
Tiger Lily se propõe a ser um romance jovem adulto sobre a Terra do Nunca antes da chegada de Wendy, quando "o coração de Peter pertenceu à menina com penas de corvos nos cabelos".
É muito interessante que o livro seja narrado pela Sininho, pois ela consegue narrar não só os atos e falas dos personagens, como também seus pensamentos, já que as fadas, por não falarem, conseguirem escutar tão bem que ouvem os pensamentos e sentimentos das pessoas. Achei que foi uma sacada genial da escritora, pois a Sininho foi uma narradora onipotente e também personagem.
Sininho começa o livro contando que desde cedo se interessou por Tiger Lily, uma menina adotada pelo líder de uma das aldeias nativas da Terra do Nunca. Tiger Lily, que sempre divergiu muito das pessoas da aldeia em questão de pensamento e comportamento, inicia toda a trama da história quando vê a chegada de um navio vindo da Inglaterra e, contrariando as decisões da aldeia, tenta salvar o único sobrevivente do naufrágio que houve com esse navio. Isso acontece porque na Terra do Nunca, as pessoas envelhecem até certa idade, e depois param. Quando algum estrangeiro chegava, acreditava - se que o envelhecimento era contagioso, por isso o contato era evitado. Com esse ato de desobediência de Tiger Lily, várias coisas se desencadeiam, inclusive seu encontro com Peter, levando em conta que a aldeia propagava o mito de que os meninos perdidos seriam assassinos e demônios na terra. A partir daí, se desenvolve a história entre Tiger Lily, os meninos perdidos, a aldeia, o estrangeiro e os piratas. Quanto a esses últimos, destaco a figura do Smee, que apesar de ter me surpreendido MUITO quando li, achei muito bem trabalhado como personagem.
As questões sociais que mencionei são abordadas com uma leveza absurda. Nas entrelinhas, é possível ver reflexões sobre papéis de gênero, identidade e colonização/imperialismo. Acreditei que por serem mais leves, teriam menor impacto sobre mim, mas a sensação é que justamente por ser tão sublime e ficar por conta da nossa própria interpretação, gera uma perplexidade tão grande em quem lê.
Tiger Lily também justifica porque a Sininho implica tanto com a Wendy. Depois desse livro, eu comecei a entender o lado dela e até a concordar, pois depois de Tiger Lily nos ser apresentada devidamente, Wendy parece chata, sem sal e sem graça. Uma coisa que notei é que mesmo em relação a Wendy, a crítica ao imperialismo permanece, embora de forma mais discreta que em passagens diferentes. Wendy é descrita como mandona, que quer tudo do seu jeito (como aprendeu na Inglaterra), e consegue fazer com que Peter e todos os meninos da Terra do Nunca a obedeçam. Uma coisa que pontuei e não tenho certeza se foi mesmo o que a autora quis passar é que de certa forma, Tiger Lily é "trocada" por Wendy, uma menina branca de cabelos loiros e olhos claros. Em congruência a esse ponto na minha tese da crítica da autora ao padrão de beleza branco e europeu, em certo momento Wendy diz à Tiger Lily que ela "não é convencionalmente bonita, mas tudo bem, porque ela é exótica", mostrando que Tiger Lily, indígena, jamais seria bonita como Wendy, mas poderia ser tratada como um produto exótico na Inglaterra.
O final simplesmente me surpreendeu bastante em dois sentidos: tanto pelo que acontece quanto pela capacidade de ser extremamente comovente. Durante todo o livro esperei clichês sobre amor romântico entre Tiger Lily e Peter, e nisso o livro me surpreendeu o tempo inteiro, pois apesar de ser um "amor adolescente", não é construído de idealizações e exageros, muito pelo contrário. O livro traz reflexões sobre o amor e o afeto poderem existir de diversas formas, e que não se manifestam de forma repetida e idêntica. Entretanto, ficou muito evidente o quanto Peter e Tiger Lily foram importantes um para o outro, e como foram algo marcante na vida um do outro. A forma que o livro mostra isso é extremamente linda, e graças a narrativa da autora, tão descritiva e imersiva no ambiente que acontece a história, isso não soa clichê, enjoativo ou tolo. É com certeza uma das melhores leituras do ano, ou até da vida até então.