spoiler visualizarMarcella 27/12/2021
O passar do tempo
Giovanni Drogo é um tenente recém saído da academia militar, designado para servir no forte Bastiani, que guarda a fronteira do país com o chamado deserto dos tártaros. Com alegria ele aceita a missão, acreditando ser o começo de sua brilhante carreira. Ao chegar no forte, Drogo pretende ficar apenas por poucos meses. Porém, conforme o tempo passa, a adaptação à rotina, a falta de pertencimento a sua cidade e, principalmente, a promessa de uma possível invasão dos tártaros num futuro próximo, fazem com que Drogo estenda sua estadia por mais e mais tempo.
O tema central da história é o passar do tempo, em relação às decisões que devem ser tomadas durante a vida e aos seus respectivos momentos oportunos.
Os oficiais em serviço no forte passam décadas esperando uma guerra que provavelmente não irá acontecer. Entretanto, o desejo do combate é tão forte que alguns deles acabam se apegando a pequenos indícios irrelevantes da sua chegada, como o avistamento de um cavalo desconhecido ao longe, ou mesmo luzes que podem indicar uma construção no horizonte. Quando finalmente pessoas aparecem no deserto, o frenesi é grande, mas apenas para se transformar em frustração: as pessoas avistadas eram alguns soldados marcando a linha de fronteira, que já estava se apagando. Esse evento poderia ser um ponto final, um indicativo de que a espera é infundada, mas mesmo assim os oficiais escolhem esperar.
Fica evidente que aqueles que esperam não esperam pela batalha, mas sim fogem da tomada de decisão. Admitir que não haverá guerra é também admitir que fizeram uma escolha errado no passado e que anos já foram desperdiçados; é ter que abdicar de uma vida estável e conhecida, de uma rotina seguida há muito tempo, do comodismo criado pelos anos de serviço no forte; é ter e enfrentar o desconhecido, de se reinventar e criar uma vida do zero, já que todos eles nada tem à espera na cidade. Pelo medo de enfrentar a drástica mudança e admitir o tempo perdido, os oficiais acabam piorando a sua própria situação a cada dia, pois cada vez mais tempo passa, mais anos são perdidos, e a cada vez é mais difícil abdicar da vida que levam.
Décadas se passam, muitos morrem, e Drogo já está velho, debilitado por uma doença. Até que, então, acontece: a guerra realmente chega. Porém, Drogo já não tem mais condições de participar. Os jovens no comando não se importam com sua história, com sua contribuição para o forte ou mesmo com seus desejos. A ordem é defender o forte, e para isso precisam apenas dos que podem combater. Drogo se transformou em um estorvo, e é mandado embora do lugar onde morou por quase toda sua vida, uma vez que já não é útil.
É apenas quando Drogo chega na hospedaria, longe do forte, que a realidade de sua vida finalmente vem à tona. Ele percebe tudo o que perdeu, todo tempo que esperou em vão, o desperdício de seus anos. Ele agora entende que a batalha que ele esperava, a única que importa, é a que ele vai travar com a morte, que já está chegando. Tudo poderia ter sido diferente, uma vida poderia ter sido vivida em plenitude, mas agora não há mais uma decisão a ser tomada, não há mais como fugir. Drogo morre sozinho, em um final melancólico, expondo não a injustiça da sua expulsão do forte, mas como ele próprio foi responsável por terminar assim, graças a todas as atitudes que tomou (e não tomou) em sua vida.
Mais que uma história sobre o passar do tempo, O Deserto dos Tártaros é um alerta sobre o comodismo e o medo de mudança. Com o destino de Drogo, o autor nos mostra como é possível também se adaptar ao ruim, ao incômodo, e deixar a vida passar. A falta de atitude e a falta de coragem para enfrentar situações podem ser cruciais para que se perca o momento certo do fazer; no futuro, por mais que se entenda o erro, percebe-se que não há mais tempo para remediá-lo.