Leila de Carvalho e Gonçalves 13/07/2018
Sangue Dado, Sangue Tomado
É inegável o fascínio da Albânia, especialmente para quem viveu durante a ditadura militar, pois se tratava de um país fechado e praticamente desconhecido onde o comunismo parecia ter prosperado nas mãos do ditador Enver Hoxha, que mantinha uma relação atribulada com a China e a União Soviética até o total rompimento. Apenas nos anos noventa, foram dados os primeiros passos em direção a sua democratização e confirmou-se um atraso que até hoje, é o maior desafio a ser superado.
Escrito em 1978, "Abril Despedaçado", de Ismail Kadaré, é um livro essencial para quem quiser aprender sobre os costumes da região, à medida que enfoca um draconiano código de leis, o "Kanun", que a margem do Estado ainda rege os montanheses do norte. Nele, a honra é lavada com sangue e a desavença entre famílias leva a uma série interminável de assassinatos que num círculo vicioso, chega a dizimar a maior parte de seus membros, ficando de fora apenas as mulheres e crianças.
Aliás, a vingança converteu-se numa mercadoria sujeita até a cobrança de imposto. Portanto, por mais insano que pareça aos nossos olhos, "sangue dado, sangue tomado" também é uma operação financeira que sustenta o "Kanun", pune ou privilegia os cidadãos de acordo com as circunstâncias e interesses.
Ambientada por volta de 1930, esta história narra a trégua de um mês que Gjorg Berisha terá antes de ser executado pela família Kryegvq, após fuzilar o assassino de seu irmão. Será a quadragésima quinta morte de uma "vendeta" iniciada setenta anos antes por conta de um mal entendido. Nesse período, ele terá que cumprir uma série de obrigações, por exemplo, assistir ao funeral da vítima, para só depois poder ocupar o tempo que lhe resta como convier e ele decide rever as montanhas de Rrafsh.
Em paralelo, é retratada a viagem de núpcias do casal Vorps, Bessian e Diana. Ele é um jornalista da capital que escolheu esse inusitado roteiro para conhecer um pouco mais sobre o "Kanun" e ambos pagarão um alto tributo pela aventura.
No ano de 2001, essa história foi adaptada para o cinema, ambientada no sertão da Bahia, numa produção franco-suíça-brasileira, dirigida Walter Salles. Foi esse filme que projetou o ator Rodrigo Santoro no exterior.
Enfim, à sombra de uma região desolada, Kadaré narra com sensibilidade sobre "a insignificância da vida levada ao limite da compreensão humana".