spoiler visualizarAliceGladwell 18/12/2023
O amor nem sempre liberta. - Uma resenha pessoal
A melhor frase para descrever esse livro com certeza será “Nem tudo é o que parece ser.”
De início, ao embarcarmos no mar de aventuras que é “A Rainha Aprisionada”, de certa forma, podemos acabar sentindo um vazio considerável caso tenhamos lido inicialmente o primeiro livro, principalmente pela falta que nossa primeira protagonista, Asha, faz nos corações dos simpatizantes com a eterna Caçadora de Dragões. Porém, com o destaque de Roa, é possível observar perfeitamente a sua visão a respeito do mundo pós-motim contra o antigo Rei Dragão, a ascensão de Dax e sua vida como a nova rainha nativa no império draksor. Pelo livro se tratar especificamente da visão de Roa, mesmo sendo contado em terceira pessoa, é possível identificar todas as emoções da rainha nativa, além de sentir pesar, amor, dor, empatia, revolta, confusão... ambas transparecidas entre as 376 páginas desta obra memorável. Mas será mesmo que tudo o que Roa via e ouvia durante sua trajetória é mesmo real? Seus olhos e ouvidos não podem lhe enganar cruelmente, assim como fizeram os corrompidos mascarados por entes queridos da Casa da Música no dia da Renúncia? Novamente, nem tudo é o que parece ser.
Na visão de Roa, e na nossa visão como leitor, vemos uma irmã perdida, que não conseguiu realizar a passagem pela intromissão desprezível de um rei desajustado e mulherengo. Vemos falsas promessas, feridas nunca cicatrizadas, conselheiros que querem sua cabeça a todo momento, vemos os olhos de seu povo lhe julgando a todo momento, demonstrando sua desaprovação a ver uma forasteira como rainha. Vemos desespero nos olhos daqueles que temem por seu próprio destino, vemos dor, apreço por entes que já não residem em solo nativo. Vemos um amor infantil que fora sacrificado por algo maior, uma amiga traidora da Casa da Música que dormia todas as noites com seu marido debaixo de seu nariz. Vemos um irmão apaixonado, tendo seu amor não correspondido após inúmeras tentativas. Ossos pesados, mente cansada, conflitos amorosos e internos capazes de nos fazer cometer a mais hedionda das traições. O que seria matar um rei quando a vida de sua irmã está em jogo? Qual seria sua escolha, mesmo que se recusasse a buscar sua ajuda, mesmo que o amasse desde a infância, mesmo conflitante com ambos amores que lhe faziam perder os eixos durante todas as manhãs e noites? O que você faria? Corrompidos pela raiva e pressionados a tomarmos medidas desesperadas, até a mais sensata das rainhas pode cometer um erro, erro esse motivado por algo muito maior que o medo de ser considerada uma traidora por todo o reinado de Firgaard; amor.
Estamos certos de que Roa sacrificou tudo em prol de seu povo e do Reino. Sacrificou a si mesma e a própria liberdade por um bem maior do que ela, do que seus próprios desejos, como uma verdadeira rainha faria e o título faz jus a toda composição estrutural da narrativa, pois ela não luta apenas para libertar seu povo e não é aprisionada apenas por Dax, por seus semelhantes, seu antigo amor... É aprisionada por si mesma. Muitos podem ler o livro achando que o romance desenvolvido deteriorou a trajetória de Roa, seus sacrifícios, sua índole, mas estamos falando da mesma rainha que conhecemos em “A Caçadora de Dragões” e no início da história? Estamos falando realmente da mesma rainha que permaneceu revoltada após lidar com os boatos de seu marido, por saber que nunca poderia confiar em qualquer membro de Firgaard? Estamos falando da mesma rainha que abdicou da vida para proteger todo o seu povo? Roa estava irreconhecível devido a suas inseguranças, mágoas e medos. Ela estava disposta a abdicar de tudo pra salvar Essie, principalmente de si mesma. Da mesma maneira que Roa via as coisas de um jeito, a maneira como foi transmitida a nós como leitores também foram baseadas nos pensamentos de Roa. Odiar Dax, desconfiar de Lirabel, conflitar com o amor de Theo, se desesperar por Essie e confiar na filha do barão Silva era algo que faríamos em prol de todos os conflitos que presenciamos juntamente a Roa. Assim como ela, não estávamos vendo o que realmente permaneceu debaixo do nosso nariz durante a narrativa. Descobrir a verdade foi algo que fez Roa conflitar consigo mesma a ponto de hesitar, precisou o retorno inesperado de nossa Iskari para que a rainha em que escolhemos confiar recobrasse a razão.
Kristen Ciccarelli fez o inesperado. Estávamos tão íntegros na visão de Roa e a prova disso é a possível decepção, choque e confusão ao reconhecermos a verdade. Dax nunca foi o vilão, Theo nunca foi o homem ideal para Roa e a razão de Essie não ser capaz de renunciar nunca foi o atual rei de Firgaard, mas sim a ligação inquebrável que a rainha possuía com sua irmã gêmea. Roa era a real responsável por Essie não ser capaz de atravessar e isso entra em algo que nós mesmos como seres humanos devemos aprender. Estamos tão ocupados apontando o erro de outras pessoas, culpando outros por algo ruim que acontece conosco, exatamente como Roa fez com Dax, e sequer olhamos para dentro de nós mesmos. A Rainha Aprisionada trata-se de um livro de auto conhecimento, aceitação, dedicação, franqueza, luta e principalmente amor. Podemos interpretar Essie como memórias dolorosas ou belas, que tiveram seu aprendizado durante um período de nossas vidas, mas assim como Roa fez, também precisamos deixar o passado para trás para que possamos seguir em frente, aprender, evoluir e crescer humanamente. Você não pode calçar eternamente o sapato que lhe serviu quando tinha três anos sendo que têm 20 agora. Aquele sapato era lindo, você pode o calçar todos os dias, mas ele já teve o seu propósito de confortar seus pés durante seus três anos de idade. É preciso deixar ir para dar espaço a novas experiências.
É preciso deixar ir para finalmente alcançar a liberdade.
Portanto,
Renuncie.