Clube do Farol 08/08/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Olá, leitores do Clube. Hoje venho falar do novo lançamento da Laurie Halse Anderson, autora do livro Fale!, que você já pode conferir a resenha no clube, clicando aqui. Espero conseguir passar tudo que eu senti e vivi lendo essa história.
Começamos conhecendo uma garota com problemas, afinal ela está em um "castigo" escolar, que consiste em atividades extras após a aula regular. Ela começa dizendo que seus colegas são zumbis ou "esquilos". E vamos vendo como ela qualifica os que são diferentes dela ou iguais ao que ela gostaria de ser. Afinal, somos apresentados à realidade de Hayley, pelo menos a realidade que ela vive nesse momento, porque não deixa de se lamentar pela opção do pai de voltar à cidade natal dela para tentar levar uma vida “normal”. Porém logo fica claro que ambos estão longe da normalidade.
As lembranças do tempo que passaram viajando de caminhão, onde seu pai tentava fugir das lembranças que os assombram, se tornam cada vez mais doces à medida que as coisas para Andy vão se complicando. Nesse meio tempo, começaram a surgir os mistérios, de coisas não contadas ou fatos que não veem a tona totalmente, alguns logo esclarecidos, porém que vão criando algo ainda maior, e que foram me prendendo na leitura de uma maneira muito fluida, que não dava nenhuma vontade de largar o livro apesar de que eu realmente tinha que dormir (Quem nunca?).
As coisas começam a ganhar um ritmo mais intenso. e até assustador, quando o passado começa a bater na porta de Hayley e ficamos sabendo o que aconteceu antes dos anos em que ela viajou com o pai pelo país. Porque temos o contraponto do pai que não consegue esquecer e de sua filha que não consegue lembrar. Ela cria escudos para se proteger dos problemas que sua vida enfrenta, porém fica nítido que esses escudos funcionam tão bem quanto uma peneira.
À medida que a história avança, Hayley tem que enfrentar na escola a vida de uma adolescente e em casa a de única pessoa emocionalmente estável. Afinal, ela é obrigada a ver seu pai ser lentamente derrotado pela depressão e se entregando às drogas e à bebida para calar os demônios interiores. Demônios esses que são mostrados em capítulos intercalados aos da filha e deixam a leitura ainda mais profunda aos temas abordados. Como alguém, com menos de 18 anos, pode lidar com algo que afeta tão profundamente aquele que deveria ser seu protetor e cuidador, e a expõe aos traumas que trouxe das guerras em que foi soldado, da ausência de uma figura materna que equilibre sua vida, onde seu refúgio é na casa da sua amiga.
Amiga essa que mostra a Hayley que, mesmo não tendo a mesma realidade que a dela, ainda enfrenta problemas e que a vida perfeita não existe como ela gostaria de imaginar, para além de sua casa. Aqui, preciso deixar claro, que apesar da escrita da autora ser extremamente delicada e cuidadosa, o impacto dos temas não é menor. Pelo contrário, parece tornar tudo ainda mais intenso e verdadeiro. A cada avanço na leitura, as emoções e pensamentos de quem ler ficam totalmente envolvidos pela história.
E um livro que poderia ser extremamente pesado e perturbador, ganha na amizade e no interesse romântico de Hayley o "alívio" aos temas abordados, porque Finn, com seu jeito encantador e divertido, entra no seu mundo sem pedir licença e faz com que ela comece a encarar o fato de que logo será responsável pela própria vida e que o futuro é algo mais próximo do presente que o passado.
Porém, Andy cada vez mais coloca um "tic-tac" sobre a vida da própria filha, trazendo a sua ex-namorada de volta para a vida dele e de Hayley, que se vê obrigada a aceitar as lembranças que voltam independente de sua vontade de esquecer, que mesmo Finn tem seus próprios problemas para enfrentar e que evitar a morte intencional ou não de seu pai pode estar muito além de suas forças.
Eu, realmente, amei a leitura dessa história, porque nos mostra uma Hayley que cresce durante a história, amadurece enquanto pessoa e que a vida real entra em seus dias de uma forma única para quem viveu sobre rodas durante um período importante da sua vida escolar. A escola é retratada de uma maneira real, onde temos professores que realmente tentam ensinar e despertar a vontade de aprender, que se preocupam e outros que encaram tudo como um emprego ou até penitência a cumprir.
Que sem perceber projetamos nossos problemas em outras pessoas, e que essas mesmas pessoas estarão ao nosso lado para nos dar um choque de realidade, que pode ser o divisor que precisamos para que consigamos dar uma resolução ao problema ou pelo menos vermos com outros olhos. E que o amor, de todas as maneiras — seja entre amigos, namorados ou pai e filhos —, é sem dúvida uma força que nos move em direção à vida, a continuar lutando e tentando. Me deixando no fim do livro com o gosto da palavra esperança no coração, marcando a leitura.
Preciso acrescentar que mesmo para alguém que sofra de alguma das doenças abordadas na história, a leitura É recomendada. Não tem gatilhos, e a forma como tudo é tratado mostra as possíveis "armadilhas" da doença. O que pode ajudar a alguém a reconhecer que precisa de ajuda, ou que aquela pessoa que você conhece pode estar passando por algo assim.
A edição está maravilhosa, com os capítulos curtos que são marca da autora, em uma fonte maravilhosa para leitura tanto no físico quanto no e-book; a diagramação perfeita e sem erros de ortografia ou digitação. A capa do livro físico está linda e as orelhas são dignas de uma leitura com atenção e carinho.
site: http://www.clubedofarol.com/2019/05/resenha-impossivel-faca-da-memoria.html