JoiceAlfonso 09/07/2020"A alma dele ainda está sangrando. Isso é muito mais difícil de curar do que uma perna ferida ou uma concussão cerebral."A trama se desenrola pelo ponto de vista de Hayley Kincain, uma jovem que passou os últimos cinco anos viajando de caminhão com seu pai, Andy, enquanto fugiam dos traumas do passado, e agora tem que se acostumar a tentativa de uma vida dentro dos padrões. Mas a verdade é que se as memórias já os perseguiam enquanto estavam em constante movimento, não será um endereço que as fará desaparecer.
A guerra nunca saiu da mente de Andy, os flashes terríveis e tormentos constantes são borrados pelo álcool e as drogas que ele consome mais a cada dia, e a Hayley, uma garota que nunca teve um lar realmente estruturado, cabe a visão do pai se afundando sem querer ser resgatado.
Quando o passado é posto a mesa, o presente dessa família se desfaz com um sopro, e não parece mais existir qualquer perspectiva de futuro.
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Hayley vê as pessoas ao seu redor como zumbis, como farsas de si mesmas, presas em suas vidinhas perfeitamente planejadas e iguais a qualquer clichê adolescente. Ela repudia toda aquela falsa perfeição que rodeia os jovens e suas famílias bem-estruturadas. Mas é incrível ver como a autora apresenta com pequenos toques que todo mundo tem problemas, toda família passa por tormentos e que, quando você pensa se destacar por ir contra uma vertente, descobre que está sendo igual a muitos outros também. A verdade é que cada pessoa quer se sentir única e especial, mas todos vivemos nesse mesmo mundo louco, cheio de dor e caos, e acabamos por carregar dores não apenas nossas, mas das pessoas que amamos também.
"Apesar das minhas melhores intenções, eu começava a entender como meu pai via o mundo. As sombras que perseguiam cada ser vivo. Os segredos dentro das mentiras, as mentiras dentro das fachadas hipócritas"
Desde o início da história há uma lentidão proposital que passamos durante os momentos de agonia dos personagens, onde parece que damos voltas e voltas pra chegar sempre no mesmo ponto com a relação de pai e filha se deteriorando ainda mais, bem como suas próprias vidas. Mas o final destoa muito, com acontecimentos que fazem tudo acelerar rápido demais. Minha visão sobre essa estrutura foi que sempre houve urgência ali, mesmo nas partes lentas que andavam em círculos, onde os personagens se afundavam mais nos problemas, e aquela apatia e fuga das resoluções os levou a um encerramento tão conturbado e que precisou fazer a trama correr a ponto de simplesmente ficar parecendo que faltou alguma coisinha ali.
"A alma dele ainda está sangrando. Isso é muito mais difícil de curar do que uma perna ferida ou uma concussão cerebral."
Esse foi um livro jovem-adulto que cumpriu seu papel em trazer questionamentos difíceis e válidos, e que apresentou consequências, mas tinha potencial para se aprofundar mais, mostrar mais e deixar menos coisas implícitas ou por imaginar.
O romance, que foi muito empolgante pra algumas pessoas, pra mim foi apenas gostosinho de acompanhar. Mas teve sua relevância ao mostrar o quão traumatizada Hayley estava. A ponto de não querer e, talvez nem saber, como gostar de alguém e, principalmente, como confiar.
Essa história me pegou de surpresa. Não esperava encontrar tanta coisa aqui, onde uma filha assume muitos dos tormentos do pai, e os papeis se invertem, mesmo sendo visíveis as atitudes de uma adolescente perdida. Tem tanta coisa significativa, tanta coisa pra se falar e discutir e escancarar pro mundo que deveria não apenas ver, mas realmente enxergar e cuidar.
"Engoli o medo. Ele está sempre lá, e ou você se mantém na superfície, ou se afoga."
Resenha feita para o ig literário @aruivalendo
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