Fernanda631 27/12/2022
A Impossível Faca da Memória
A Impossível Faca da Memória foi escrito por Laurie Halse Anderson e foi publicado em 2 de janeiro de 2014.
Como qualquer outro Young Adult, acompanhamos Hayley Kincay no último ano da escola, mas o passado de Hayley não é como de qualquer outra adolescente, ela é filha de um militar aposentado, onde ela passou boa parte da adolescência sendo educada pelo pai pulando de cidade em cidade.
Hayley é uma adolescente que está sendo submetida ao amadurecimento precoce enquanto vive em papéis invertidos com seu pai: é ela quem cuida dele ao invés do contrário. Com apenas dezessete anos, Hayley é obrigada a dar conta de tudo: da casa, da comida, da escola, do pai, da responsabilidade consigo mesma e principalmente da dor.
Hayley Kincain não se lembra muito do que aconteceu antes dela cair na estrada com o pai, aos 12 anos, dirigindo um caminhão por todo os Estados Unidos. Agora que ela está terminado os estudos e Andy achou melhor se estabelecerem em algum lugar para que ela possa terminar os estudos e se candidatar a universidade.
O ex-capitão de guerra, Andy, pai de Hayley, está se afundando cada vez mais nas terríveis lembranças que guarda na memória. Ele não para em emprego nenhum por suas crises circunstanciais, não sai e parece não querer sair de tal situação. Ele vive seus dias se entregando à bebida e a dor por ter perdido seus amigos, seus guerreiros, sua esposa, sua mãe.
Há bons dias, claro, mas desde que o pai resolveu que eles deveriam se mudar para a casa da falecida avó para que Hayley possa se formar em uma escola de verdade, os dias sombrios ficam cada vez mais comuns. Nesses dias, o pai está bêbado, ou chapado, ou os dois. E nesse estado ele se torna mais propenso a narrar pela milésima vez as coisas horríveis que viu e fez quando era um soldado, assim como gritar e afastar Hayley.
E com o pai em um estado cada vez mais terrível, Hayley preferia estar de volta à estrada, e não em uma escola estúpida que não a ensina nada de útil na concepção dela. Hayley não suporta seus colegas "zumbis" e a conselheira da escola que fica se intrometendo em suas vida e perguntando sobre seus planos para o futuro. A única pessoa que Hayley gosta na escola é Gracie, uma garota fofa e divertida, mas cuja família problemática a permite entender Hayley em um nível que nenhum dos outros "zumbis" parece entender.
Tendo um pai que sofre de stress pós-traumático e não admite isso em hipótese nenhuma, a garota precisou aprender a cuidar de si mesma e do pai, e assim se tornou uma garota retraída, com uma única melhor amiga que fará de tudo para afastar Finn de sua amiga para não perder a amizade que ela tanto estima por uma leve “besteira” que fez. Sem exatamente fazer de propósito ela os apresentou e agora Finn persegue sua amiga para que ela o ajude com um projeto que ele acredita ser bom para ela, mas Hayley não quer.
Finn é um personagem encantador, definitivamente esse personagem é ele. Um garoto que entende exatamente a necessidade de Hayley de ter o próprio espaço, mas sem forçar a barra vai mostrando que está tudo bem confiar nas pessoas.
Hayley fica com vontade de matar Gracie quando ela o apresenta a Finn, um belo garoto do time de natação que está tentando trazer o jornal da escola de volta à vida. Gracie o convenceu de que Hayley escreve bem e Finn não a deixará em paz até que ela escreva algo para o jornal. Apesar de odiar o jeito com que ele está sempre fazendo perguntas e vendo todas as emoções que ela tenta esconder, Hayley também começa a apreciar a inteligência de Finn e seu humor peculiar. Mas como ela pode se deixar envolver em um romance adolescente quando as coisas na sua casa estão desmoronando? E, pior do que isso, como ela vai encarar as memórias obscuras e doloridas que ela se esforçou tanto para esquecer, mas que parecem vir cada vez mais a tona desde que ela chegou a cidade?
É para Hayley terminar os estudos e só por isso que eles retornam para a cidade natal de Andy, morando na casa que fora de sua avó, e tentam estabelecer uma rotina. A princípio, a garota acha que estar de volta ao lar de infância possa fazer bem ao pai, mas conforme o tempo passa e o passado começa a alcançá-los, Hayley fica sem saber até quando eles aguentarão.
Além disso, a narrativa da Laurie é muito fluída, os acontecimentos se costuram muito bem, sem ficar forçado ou surgir do nada e desaparecer. Toda cena tem uma função bem definida e não teve nenhum momento que eu fiquei "tá, mas o que isso quer dizer? Ou qual vai ser a contribuição disso para a história?".
A Hayley foi a minha personagem preferida. Ela é complexa, e ao mesmo tempo simples. Ela tem um terrível medo de abandono e está constantemente tentando salvar o pai, além de ser extremamente afetada pela doença dele. Hayley vive em alerta constante e se culpa muito quando baixa a guarda e algo acontece. Ela não teve tempo para ser uma criança e uma adolescente normal, e a gente vê isso nos trejeitos dela, na forma como se relaciona e enxerga o mundo, no sentindo de "somos nós contra o mundo" que ela exibe.
O Andy, pai da Hayley, também tem um papel muito importante. Ver ele afundando na depressão, no álcool, sucumbindo ao TSPT (transtorno de estresse pós-traumático) foi triste. Os dias bons e os dias muito, muito ruins, e a forma como tudo isso afetava a filha dele. Apesar de já esperar gostar muito do livro, A Impossível Faca da Memória foi diferente do que eu estava esperando e me surpreendeu muito. Positivamente, aliás.
Começo dizendo que esse é um livro difícil de ser lido, pelos trechos com carga dramática pesada, e os gatilhos podem agravar isso para algumas pessoas. Mas a Laurie conduz o livro com maestria, ela utiliza uma narração singela, mas carregada de temas importantes, e o melhor ainda, é que sem romantizar esses assuntos, mostrando todos os lados, e as consequências dos transtornos para as pessoas e para quem convive ao lado delas.
No momento que estamos é muito importante falar sobre algumas doenças que são muito comuns nas pessoas hoje em dia, como a depressão, que ainda é tratada de modo leviano por muitos. Aqui também é abordado o TSPT (transtorno de estresse pós-traumático) e muitos outros temas complicados.
Mas mais do que doenças, a Laurie mostra os sentimentos das pessoas, como elas agem em frente a situações complicadas, como a amizade e amor pode mudar e muito a vida de uma pessoa. Às vezes, eles estão ali pedindo ajuda e você apenas finge que não vê.
A proporção entre drama e auto descoberta é perfeita, Hayley tem um humor ácido que nos faz rir mesmo em momentos de tensão, ela luta contra a zumbificação dos outros adolescente na escola. Hayley Kincain não é como os "zumbis" da sua escola, adolescentes com vidas tediosas e seguras que apenas aceitam tudo o que lhe dizem para fazer.
Todos os personagens secundários apresentam dramas em paralelo que compõe quadros bem da vida cotidiana, o que nos aproxima bastante da realidade.
A Impossível Faca da Memória não é uma obra fácil de ler e, para quem está em um momento de fragilidade, não acho ser uma leitura indicada. O livro traz cenas pesadas e tensas que podem acabar sendo gatilho. A obra não suaviza a luta do pai da protagonista com a própria saúde mental. Em grande parte do livro Andy está intoxicado e agindo de forma violenta. Contudo, isso é um ponto positivo para a obra A Impossível Faca da Memória, já que mostra de forma crua e chocante o impacto da guerra em uma pessoa. O livro não romantiza transtornos mentais e, apesar de não usar tais nomes, mostra bem como é difícil para alguém com Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Depressão e Ansiedade colocar sua vida de volta nos trilhos.
O mais inteligente de A Impossível Faca da Memória para mim é como demonstra que tais transtornos causam um efeito em cadeia dentro do núcleo familiar, já que assistir o pai se deteriorar ao longo dos anos causou a Hayley traumas e cicatrizes igualmente difíceis de curar.
Mais do que saúde mental e ciclos de violência (psicológica), A Impossível Faca da Memória também explora as temáticas da co-dependência emocional entre Hayley e o pai, assim como o luto de Andy por tudo o que perdeu na (e por causa da) guerra, o vício em álcool e drogas e outros comportamentos autodestrutivos e até mesmo suicidas.
O livro mostra como é difícil pedir ajuda, tanto para Andy quanto para Hayley, e a sensação de desconexão do resto do mundo em uma pessoa que há anos luta com transtornos mentais.
Mas, nem todas as temáticas da obra são negativas. A Impossível Faca da Memória também explora o amor e a lealdade entre Hayley e seu pai, a amizade sincera de Hayley e Gracie, assim como o jovem, mas poderoso, amor da protagonista com Finn.
O título num primeiro momento pode parecer bem enigmatístico, eu tentei entender o que aquilo queria dizer sobre a história, mas aos poucos fez completamente sentido, Hayley não lembra muito bem como era a vida antes de sair com o pai por várias e várias cidades, as lembranças da infância com a madrasta são todas meio nebulosas e sempre nos faz questionar o quanto a realidade é realmente como lembramos quando passamos por perdas, abandonos e traumas.
Nessa história tem espaço para você se revoltar com o Andy (onde já se viu um pai desistir de tantas maneiras de uma filha), tem espaço para chorar e cuidar dele, tem espaço para gritar com a Hayley e mostrar que nem sempre podemos resolver tudo sozinho, tem espaço para suspirar com os primeiros amores. Esse é sem dúvida um livro cheio de emoções, uma montanha russa cheia de perigos e crescimento.
A história do pai de Hayley foi tão real que senti vontade de sacudi-lo e ao mesmo tempo de acolhê-lo. E, lá para frente, quando algo mais acontece e que acaba por destruir mais um pouco a alma desse homem, chorei.
A impossível faca da memória é um livro que aborda a vida de pessoas com transtornos e como modifica quem a tem e quem as cerca, nós mostra como é difícil para as pessoas pedirem ajuda, e como você deve sim, prestar atenção a sua volta, e oferecer toda a ajuda, nem que seja um abraço para quem precisa.
Uma leitura muito necessária para todos terem uma outra visão sobre as pessoas.