none 28/11/2019
Em um ponto da leitura tive que abandonar o livro e voltar-me para os textos do Carlos Drummond de Andrade e do Lima Barreto, autores citados pela Lilia. Não que o livro em questão fosse chato ou aborrecido, mas que a matéria dele é muito difícil de ser lida e absorvida por quem vive a realidade brasileira de 2019. Não sou mulher nem negro, mas constato pelo livro que esse grupo é o que mais sofre com o autoritarismo. Pertencer à classe média baixa branca me faz circular por grupos que incitam ideias de classes superiores às das próprias pessoas. Os temas discutidos no livro: escravidão e racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça e gênero, intolerância parecem só chamar a atenção do público nas eleições e nas discussões de polarização (''você sabe com quem está falando?'', como bem enfatizou Lima Barreto em seus livros), vivemos em um país desigual e cordial (no sentido de passional, não racional) que prefere varrer para debaixo do tapete os problemas e acusar o outro de corrupto, defender intolerância contra situações intoleráveis. E isso acontece aqui desde o início. Para quem não se recorda, a autora coescreveu Brasil, uma biografia com Heloisa M Starling, Os dois livros dialogam - aliás as outras obras da autora também dialogam - com o leitor numa discussão saudável e possível de um país difícil sim de ser entendido para quem vem de fora e para quem mora aqui dentro. Para uma visão mais aprofundada e histórica é preciso ler Brasil: uma biografia, que é algo aproximado que fez Howard Zinn em A People's History para os Estados Unidos, contar a história do país mostrando a história do povo (igualmente índios, escravos, imigrantes) e seus dilemas.
Afirmei que abandonei temporariamente a leitura desse livro para ler Carlos Drummond de Andrade e Lima Barreto porque esses autores ajudam a dar força à leitura e entender o que a autora está transmitindo com a ajuda de dados estatísticos e notícias relacionadas. Sentimento do mundo, Elegia 1938 e Congresso internacional do medo mostram em linguagem poética aquilo que aconteceu e viria a acontecer com o país, os romances Os Bruzundangas, Triste Fim de Policarpo Quaresma e as crônicas de Lima Barreto refletem o país, o povo, os desmandos, o delírio patriótico como doença patológica, o preconceito racial, dentro do universo ficcional, mas com o autor ciente e consciente do que se passa lá fora, aqui na realidade desde o descobrimento (desculpe, é costume), desde a invasão colonialista. Dom Pedro II chamar escritores e artistas para criar a fábula de um país idílico que nunca houve onde índios, negros e brancos convivem pacificamente sem problemas sociais e raciais é algo que vemos hoje convertido (e espertamente sintetizado) no meme, na fake News disseminada por anônimos na internet em defesa da pátria (qual pátria? não a ''deles'', dos ''outros'', a ''nossa'' da gente de bem), da família (qual família? não a ''deles'', dos ''outros'' , a ''nossa'' da gente de bem) e da religião (qual religião? não a ''deles'', dos ''outros , a ''nossa'' da gente de bem). Lembrando que esses valores foram defendidos por fascistas e ditadores mundo afora. Querem restabelecer o integralismo, fascismo mascarado de patriotismo. O mito dessa gente ''de bem'' tem pés de barro e asas de galinha. Mas tem feito muito mal.