Pri | @biblio.faga 21/07/2020
Embora tenha sido publicado primeiro, no ano de 1972, o romance no “Fundo do poço” dá continuidade a história de Adah, a protagonista de “Cidadã de segunda classe”, por isso, recomento essa ordem de leitura.
No romance, Adah já separada do marido e com 5 filhos para criar, se vê obrigada a mudar-se para um conjunto habitacional, no subúrbio de Londres, local que dada a precária infraestrutura é denominado pela personagem como “o fundo do poço” – termo que dá nome ao livro. Sem conseguir conciliar sua tripla jornada (trabalho, casa e estudos), a sobrevivência de sua família passa a depender exclusivamente do pagamento do seguro-desemprego, tal como as típicas “famílias-problema” que lá habitam.
Como de praxe, a escrita de Buchi Emecheta é poderosa, envolvente e afiada. Honesta, embora narre todos os seus infortúnios e sua “eterna má sorte”, a protagonista não se retrata com autocomiseração. Adah é o oposto da autopiedade ou do coitadismo: uma mãe dedicada, mas, sobretudo, uma mulher forte, guerreira e inspiradora.
Pontualmente critica, valendo-se de reflexões inteligentes e comentários igualmente irônicos, a obra muito me lembrou do livro “Quarto do despejo” da brasileiríssima Carolina Maria de Jesus.
Além de posicionar-se contra a violência doméstica e a opressão/repressão da mulher, a escritora nos convida a refletir sobre a politica populista que, inúmeras vezes, notadamente por interesses mesquinhos, promove a manutenção da dependência econômica da população mais carente dos benefícios assistencialistas, permitindo que seja perpetuada uma imagem negativa (injusta e falaciosa) dos beneficiários.
Contudo, o livro também se permite um pouco de felicidade e fala sobre um lado bonito do ser humano: essa capacidade de solidariedade, compaixão e empatia; da amizade que nasce do mero compartilhamento de infelicidades e adversidades, e que é capaz de construir laços fortes e duradouros, verdadeiras redes de apoio para suportar uma existência tão dura.
Enfim, sempre que tiver a chance, leia Buchi Emecheta.
Leitura recomendadíssima!
~ Quotes:
“É uma sina ser órfã, uma sina dupla ser uma órfã negra em um país branco, uma calamidade indesculpável ser uma mulher com cinco filhos, mas sem marido. Toda sua vida tinha sido como a de um apostador eternamente sem sorte.”
“Ela poderia ser negra e orgulhosa quando tinha tão pouco de que se orgulhar exceto sua raça e seus filhos?”
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