Alle_Marques 25/02/2024
A mãe, a filha, a neta e tudo o que vem antes e depois...
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[...] Inaiá cresceu na crença de que a vida é sobretudo prazerosa e que nascemos para nos divertir. Melancolia e tristeza eram sentimentos que provocavam profundo desagrado entre os nativos. Os deuses eram benignos, e a ideia de uma vida depois da morte era a de um jardim florido onde cantariam, dançariam e pulariam ao lado dos antepassados. [...]
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É uma obra fascinante, especialmente para nós brasileiros, também é bem escrita e caprichada, é levemente confuso em alguns momentos, no começo é difícil lembrar quem é quem em meio a tantos e tantas personagens, mas nada que prejudique tanto a leitura assim, além de fazer sentido com o tipo de história contata.
É muito fácil se conectar com a obra, muito fácil desenvolvermos admiração e empatia por ela e por suas protagonistas, é uma história completamente brasileira, nossa, são mulheres que poderiam ser as mães, avós, bisavós, tataravós – tudo o mais que veio antes –, de qualquer um de nós e, por mais doloroso que seja, nós dificilmente saberíamos disso, pois são histórias esquecidas, apagadas pelo tempo. É totalmente compreensível todo o sucesso e toda a admiração que essa obra conseguiu, e ainda consegue, despertar, é um livro não apenas emocionante, como também inesquecível.
Porém, pra mim, quanto mais próximo estava na "modernidade", quanto mais próximo do século XXI, mais a história foi se perdendo, perdendo o encanto. Foi difícil pra mim me apegar as gerações mais novas dessa família, pelo menos comparando com suas antecessoras, mas isso foi, provavelmente, natural, pois o grande charme da obra é justamente retratar nosso Brasil histórico, nosso passado, e qualquer coisa fora isso é consequência, logo, faz sentido que tenha seu espaço, mas não desperta o mesmo interesse que tudo o que veio antes.
Além disso, o obvio "apagamento" da autora com algumas questões ao longo da história também me incomodaram um pouco, como: em praticamente 500 anos de história, passando por dezenas e dezenas de personagens, por gerações e mais gerações de uma família, não ter um único personagem, menção ou insinuação a pessoas não-heteros e não-cis, essa escolha da autora, sendo consciente ou não, apenas reforça o equivoco de que pessoas assim são frutos dos tempos atuais, o que além de passar longe da verdade, também não é nenhum pouco realista. O mesmo vale também para pessoas com deficiência, neurodivergentes e para transtornos mentais no geral.
Outro ponto também estranho foi a "passada de pano" para muitas violências na história, principalmente para as mais "ignoradas" e "acobertadas" ao longo dos anos, mas que ainda causam tanto medo e pânico em tantas mulheres, mesmo atualmente, e ainda se faz tão presente em tantos lares brasileiros, infelizmente, como: em mais de 20 gerações de mulheres, meninas e jovens, quais são as chances delas passarem "imunes" a um pai, tio, irmão, primo, o que for, entrando em seus quartos escondidos durante a noite enquanto elas são pequenas demais pra se defender? Ou então, de conseguirem viver em um mundo, ainda tão patriarcado, sem a sombra de nenhuma violência desse gênero pairando acima da cabeça delas? Em mais 500 anos de história, de Brasil, ignorar essa realidade, tão triste e dolorosa, é ignorar também cada avanço que fizemos para tornar essa realidade o mais distante possível da nossa e, principalmente, das nossas meninas.
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[...] Há pessoas que se fortalecem quando atravessam adversidades, mas a maioria, não. A maioria se fecha, incapaz de vencer o meio quando se vê obrigada a enfrentar os infortúnios de sua própria sorte. [...]
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4° Livro de 2024, 5ª Resenha de 2024
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