jiangslore 02/05/2023
[3/5]
"Cemetery Boys" é um livro divertido, com a escrita leve e fácil de digerir. É um livro que cumpre o que promete: uma história com representatividade, a apresentação de uma comunidade interessante e um romance fofinho. Mas, se a gente parar para pensar - e isso é algo que tenho pensado cada vez mais, já que representatividade é algo que está se tornando mais comum - ele não tinha prometido tanta coisa assim. Não que isso seja necessariamente ruim. Acredito que o livro tem seu valor mesmo não sendo nada extremamente inovador para o gênero. Entretanto, há certas questões que precisam ser mencionadas.
Geralmente, eu evito ler obras escritas por descendentes de latino-americanos que nasceram e cresceram nos Estados Unidos. Isso porque, depois de alguns contatos com livros escritos por esse grupo, percebi que a forma que eles retratam ser "latino" é diferente da forma que eu me sinto, como uma latina que nasceu, cresceu e mora na América Latina. Não há nada de errado nisso - com certeza, o fato de ser descendente de imigrantes em um país como os EUA acarreta diversas experiências que são importantes e merecem ser contadas. Mas eu não consigo não me incomodar ao ver esses livros sendo exportados e pensar que pessoas de outras nacionalidades, ao terem contato com eles, podem pensar que ser latino é como está lá, e... Não é. Há diferenças.
Mencionar esse incômodo que tenho é importante por dois motivos. O primeiro deles é para dizer que, normalmente, eu não leria "Cemetery Boys". Acabei lendo por ser uma recomendação e por estar querendo ler algo leve e diferente. O segundo motivo é que o fato de o autor ter escolhido usar o termo "brujx" é um dos melhores exemplos que já vi do que expressei no parágrafo anterior - porque, realmente, combina bastante com um "latino" que, na verdade, é de nacionalidade estadunidense, aplicar uma forma de neutralizar o gênero das palavras que há muito já se sabe que não funciona nos idiomas que, efetivamente, são usados na América Latina.
(É importante mencionar que, na edição brasileira do livro, foi usado o termo "bruxes", cuja pronúncia funciona em português. Pelo que vi na sinopse da edição em espanhol, são usadas as palavras "nahualos" e "nahualas". Não tive acesso à edição completa para procurar se há uma versão neutra do termo no livro.)
Mas, enfim, incômodos de latino-americana à parte, há - infelizmente - outras críticas que preciso fazer. A primeira é que, como o livro tem um enredo simples e previsível, o autor acabou pesando a mão na exposição e na colocação constante dos personagens em situações nas quais não conseguiam descobrir nada. Até uns 35% do livro, praticamente só houve exposição - de um modo que, estranhamente, deixou tudo simultaneamente lento e rápido demais -, e ainda foi necessário repetir parte da exposição porque o personagem que foi introduzido naquele momento da obra não sabia de nada. Em parte, pode ter sido uma questão de edição (até em termos gramaticais, porque encontrei um erro), mas também acho que o autor tentou despistar o leitor de uma forma que não considerei muito efetiva - até porque esses mecanismos ocorreram por tanto tempo que o final acabou sendo um pouco corrido.
Além disso, a divisão entre as funções de "brujos" e "brujas" me incomodou um pouco. Entendo que é um aspecto que se encaixa no enredo, porque, se um menino trans é um brujo, isso cria outro aspecto de conflito que pode ser desenvolvido, em uma analogia com a ideia de que o gênero da pessoa é algo que ela é, e não que ela passa a ter com uma escolha momentânea - logo, um menino trans seria um brujo e não uma bruja. Mas, ainda assim, não acho que a divisão de funções foi algo trabalhado de forma positiva no livro. Isso porque a magia não parece ser algo que corresponda expressão ou os aspectos de um gênero que uma pessoa trans deseja, por um motivo ou por outro, adotar para si (como usar determinada roupa ou poder ter acesso ao banheiro correto): ela parece ser algo muito mais intrínseco que isso. E, no livro, apesar de ser dito que outras pessoas trans com certeza existiram na comunidade de Yadriel, não é dito em nenhum momento que uma pessoa poderá escolher não adotar a função estipulada para seu gênero - seja a pessoa cis ou trans. Isso me incomodou um pouco porque, na minha opinião, essa escolha do autor demonstra um apego às tradições que o livro busca criticar. E, claro, na divisão de funções, as mulheres ficam com a de cuidado.
Por outro lado, até certo ponto, gostei bastante do romance. Na minha opinião, houve um equilíbrio bom entre a atração que os personagens sentiam um pelo outro e o (pouco) tempo que tiveram juntos. Isso porque o "amor" não pareceu instantâneo: foi "rápido" em um nível que considero normal para dois personagens adolescentes que, pelo que é dito no livro, não têm muita experiência com relacionamentos amorosos. Só no final do livro que senti que esse equilíbrio deixou de existir - claro, isso poderia ser explicado pela situação na qual os personagens se encontravam, mas a impressão que tive foi que o romance estava pendendo para um lado possessivo demais, o que não é muito o meu estilo.
Apesar das críticas, acho que o livro cumpre o papel de ser uma leitura divertida e com certeza entendo o motivo para algumas pessoas terem adorado. Entretanto, só o recomendaria para pessoas que gostam desse tipo de leitura, porque não acho que ela é diferenciada o suficiente para agradar outros gostos.