Reniel 06/09/2021
A curiosidade e incompletude em Pedagogia da Autonomia
Nesse livro temos a elaboração e reflexão sobre alguns dos fundamentos considerados como imprescindível para aqueles educadores que estão dispostos a lutar contra a desigualdades e as injustiças. Para aqueles educadores que se pretendem democráticos na mais verdadeira concepção do termo; que se pretendem rebeldes ? ou revoltados contra a imoralidade dos poderosos; que se pretendem conscientes de sua prática.
Freire é um crítico do modelo de ensino bancário, esquema que consiste em transferir os conteúdos de um mestre para os alunos, como um sujeito que deposita o saber sobre aqueles que o ignoram; por isso mesmo em Pedagogia da Autonomia o autor não oferece fórmulas para uma prática pronta e acabada para o ensino-aprendizagem, pelo contrário, ele pensa a atuação do educador como um processo em constante transformação e aperfeiçoamento. O que temos aqui são propostas para o ensino - sempre inacabadas. Não há um saber absoluto, não há como conhecer o objeto, o conteúdo ou ?a coisa em si? em sua totalidade; por isso seu método de ensino consiste em questionar o modo com que o conhecimento é formulado, valendo-se, para tanto, do estímulo da curiosidade do estudante, daquilo que estudante já sabe, para que o conhecimento avance.
Essa preposição indica duas ideias principais: primeiro a de que o sujeito detentor do saber e, também e seu saber, são históricos. Ou seja, o saber tem uma história e tem seus próprios limites, usos, interpretações ? é dinâmico e não estável.
O segundo ponto é que: a curiosidade do estudante deve ser estimulada a partir do entendimento de que sempre é possível aprender algo novo. Lacan introduz essa perspectiva na linguagem humana; quando indica que algo do real escapa àquele que fala, mas é exatamente essa impossibilidade de alcançar o todo que deve movimentar o desejo do indivíduo em sua busca de unidade com o mundo.
Quando Freire fala em educação ele fala de um processo de ensino e aprendizagem que é excepcionalmente humano e histórico. E não porque na natureza não exista aprendizagem. Mas por que a educação humana é diferente da educação do reino animal. Enquanto o homem se tornava um animal ereto, a espécie humana exercia dialeticamente através de sua mente e seu seu corpo o domínio sobre a natureza e sobre si mesmo. O homem passa a existir com/e no mundo. Não só se adapta à realidade, como também a transforma seu bel-prazer através do seu trabalho, do seu existir, da sua existência.
Humano, pois essa liber(ação) do corpo humano sobre a natureza, suas ações, sua inteligibilidade que vai exigir a criação de uma linguagem humana. A capacidade de comunicação complexa, superior é uma artimanha para controlar, dominar a realidade à sua volta e transmitir o conhecimento inteligível através das gerações.
Histórico porque o homem inserido nessa realidade é um ser consciente de sua presença no mundo e que enterrado em um jogo indeterminado e complexos de nexos e relações. Por exemplo: gêmeos univitelinos são a prova concreta de que é impossível existir duas pessoas iguais no mundo, mesmo se elas surgirem da mesma célula. O contexto histórico/social/cultural/familiar/etc. irá influenciar na formação de cada sujeito.
É exatamente essa capacidade de comunicação e transmissão de conhecimento e a consciência histórica que tornam o ser humano um ser consciente de sua finitude e sua incompletude. E esse processo só pode se dar obviamente num ambiente com duas ou mais pessoas. Ou seja, só nos tornamos humanos no convívio em sociedade, no convívio coletivo, ou em grupo. ?O homem é a única criatura que se recua a ser o que ela é?. O homem não nasce humano ele precisa ser formado, ser ensinado. Por isso mesmo para Freire a ensino-aprendizagem não monopólio do ambiente escolar, da sala-de-aula, do professor e somente como transmissão de conteúdo. Pelo contrário, a formação acontece a todo momento, em todos os espaços com todos os sujeitos e para além do domínio dos conteúdos programáticos. Como seres humanos somos seres de ação e ética sobre a realidade.
Por isso a prática do educador não é uma prática isenta, neutra; ela é, e precisar ser, ética e política. Se tratando de ensino escolar, isso quer dizer o respeito pelo saber do educando e o estímulo de sua curiosidade no processo de apre(e)nder. E isso cabe também ao educador, seu saber nunca é absoluto. A interpretação do mestre não pode ser considerado um ponto final.
Exatamente por compreender sua incompletude o ser humano pode ir além. Como diria Rubem Alves, o ensino deve servir não para aprendermos fórmulas, mas para aprendermos a formular perguntas; a pergunta é o salto do pensamento. Para Freire o educador precisa ter interesse constante em aprender juntamente com seu aluno, o educador não pode sentar no seu saber como se esse estivesse acabado, totalmente lapidado; é preciso que o próprio educador assuma na prática a teoria de aprender para ensinar ao aluno como exercitar sua curiosidade epistemológica e é necessário que o educando vá tomando a responsabilidade nessa atitude de inteligência do saber.
Existe, tanto na análise quanto no pedagogia de Freire, uma incompletude na construção sobre o objeto de conhecimento (ou suposto saber). Não é possível apreender o todo, assim como não há garantia da eficácia desses processos de aprender; se tratando de educação não é possível garantir que todos alunos aprendam da mesma forma e a mesma coisa durante o período escolar. Quando se fala em ensino na psicanálise é precisa levar em conta que para aprender é necessário um não saber do próprio conhecimento para aquele que ensina (analista) e para aquele que aprende (analisando). É exatamente o não saber ou o saber histórico e limitado deve servir como motor do desejar saber. É o saber de que não se sabe.
Ig Literário @a.doiss
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