@refugionasestrelas 28/10/2020
Quem somos nós de verdade, quando a cortina se fecha e a luz apaga?
Acho que finalmente tenho um livro favorito da vida e o nome dele é Quando a Luz Apaga. Gustavo Ávila, autor brasileiro, provou seu talento ao criar uma história que te prende nos mínimos detalhes. E o plot twist, então? Não tem nem o que falar, é um dos mais geniais que eu já vi! Como anda nossa sociedade? O que escondemos atrás de máscaras forjadas com falsa moralidade?
Moradores de rua começaram a desaparecer misteriosamente, sem deixar rastros ou pistas. Ninguém faz nada e a polícia pouco se importa, afinal, quem sentiria falta de pessoas “irrelevantes”, que vivem às margens da sociedade? Para nossa sorte, Arthur Veiga é um detetive que odeia ficar parado e decide investigar o caso por conta própria em suas férias. Em contrapartida, temos um homem que possui várias identidades, vários nomes e rostos. Para atingir seu objetivo, ele só precisa de uma coisa: pegar moradores de rua, aqueles que ninguém sente falta.
Ao mesmo tempo, somos inseridos no mundo do teatro, uma das partes que mais me prendeu a atenção. Matias Dália, um dramaturgo famoso, possui uma maneira singular de enxergar a arte e o mundo. Suas peças são complexas e profundas, levantaram questionamentos que continuam rondando minha mente até agora. Apesar de ser um suspense policial, o livro também tem um quê dramático, onde os aspectos emocionais são muito relevantes para o enredo. Cada personagem trava suas guerras internas, lidando com traumas e tentando entender suas emoções.
Inclusive, achei incrível o autor ter colocado personagens com limitações psicológicas em posições de destaque, sem serem criados com o propósito de despertar pena ou compaixão. Pelo contrário, eles levam vidas estáveis e de sucesso. Geralmente, personagens com transtornos psicológicos ou qualquer tipo de deficiência são colocados em posições inferiores ou diferenciadas, separados por uma bolha, mas não aqui. Arthur Veiga se enquadra em algum nível do espectro autista, metódico e com a necessidade de manter uma rotina fixa para controlar a ansiedade. Matias Dália possui uma característica particular – não falarei qual – que eu não conhecia e pesquisei para me informar. Eu, como alguém que acredita no poder da empatia, encontrei um novo ponto de vista através dele.
Mais que um suspense, Gustavo Ávila nos coloca para pensar. Ele nos joga na mais interna necessidade humana: a vontade de ser notado pelo que realmente é, não por um estereótipo. É sobre compreensão, entender que cada um é de um jeito e ninguém age ou sente igual a nós. Em um nível mais cru e social, o texto nos bombardeia com críticas atuais e significativas, pertinentes tanto a sociedade brasileira quanto mundial. Já em uma camada mais subjetiva, somos convidados a refletir sobre o quanto a verdade coletiva influencia a verdade pessoal. Existe uma maneira de fugir dessa persuasão ou estamos todos condenados a ela?
Um livro intenso, impactante e eletrizante, com críticas que nos fazem pensar sobre como lidamos tanto com o diferente quanto com a “margem” da sociedade. Quando a Luz Apaga mostra como as aparências enganam, nada é o que parece ser. Esse livro sai totalmente da caixinha, são estilhaços de um espelho que se remontam para refletir o que a sociedade prefere não ver. Quem nós somos de verdade, quando as cortinas se fecham e a luz apaga?