Giu 31/08/2020As obras da Isabel Allende são como pacotinhos de história e críticas envoltos em embrulhos de narrativas bem construídas. Em Eva Luna, temáticas como a luta de classes, desigualdade de gênero, transfobia, xenofobia e patriarcalismo surgem em meio à narrativa da ditadura e da guerrilhas no Chile, e às histórias dos personagens, que se interligam.
Eva Luna é conhecida por todos pelo seu dom para contar história, que também fica claro para o leitor, enquanto ela conta a sua própria, a de Rolf Carlé e a de tantas outras personagens que cruzam seus caminhos.
Não sou de transcrever frases dos livros, mas tem dois trechos que me chamaram demais a atenção e demonstram o pulso firme e falta de sutileza com que Allende insere suas críticas:
?Para Naranjo e outros como ele, o povo parecia composto apenas de homens; nós, as mulheres, devíamos contribuir para a luta, mas estávamos excluídas das decisões e do poder. Sua revolução não modificaria minha sorte, em essência; em qualquer circunstância, eu teria que continuar abrindo caminho por mim mesma, até o fim de meus dias. Talvez nesse momento, eu tenha me dado conta de que o final de minha guerra não se vislumbra, portanto, é melhor vivê-la com alegria, para que minha existência não se esvaia enquanto espero uma possível vitória para começar a sentir-me bem. Concluí que Elvira tinha razão: é preciso ser muito corajosa, a gente tem que lutar sempre?.
?O general tem razão, aqui ninguém morre de fome, você estende a mão e agarra uma manga, por isso não há progresso. Os países frios são mais civilizados, porque o clima obriga o povo a trabalhar - dizia o patrão, estirado à sombra, abanando-se com o jornal e coçando a barriga?.
Nascida da picada de uma cobra, Eva Luna carrega não só o nome da primeira mulher segundo o cristianismo, mas também seu fardo. Leva uma vida repleta de percalços e provações, e encontra na contação de histórias - e, posteriormente, na escrita - seu refúgio. Tem também na criação de histórias um papel de Deus, inventando novos rumos ou passados alternativos para as vidas de pessoas reais ao seu redor.