malucpinheiro 28/10/2023
Segundo o próprio autor, este livro não é exatamente um livro sobre homossexualidade, mas sobre o que acontece quando se tem medo de amar alguém. Dizer que O quarto de Giovanni é um clássico da literatura gay é reduzir, por um lado, um livro que fala de todos nós, da nossa ambiguidade contraditória confusa e humana. Da nossa necessidade, do nosso medo, esse desejo ambivalente que é Amar. Por outro lado, não podemos deixar de considerar que esta temática nesse livro consiste numa revolução importantíssima, especialmente contextualizando o momento de sua publicação. Através de uma profunda reflexão sobre os conflitos subjetivos e ambivalências sexuais, Baldwin nos presenteia com verdadeiras discussões filosóficas amplas, e reflete sobre o preço de fugir de si mesmo.
O que, afinal, é um homem? Um homem é diferente de um touro, mas ainda assim tem algo animal. O homem não é um ser natural, completamente pré-determinado pelos comandos biológicos. Por isso, são tão vastas as possibilidades de ser e estar no mundo. Daí, envoltos na questão do quê/quem somos nós, podemos discutir referenciais de padrões de comportamento, expectativas sociais, questões de gênero e sexualidade. O que devemos ser? O que é, afinal, proibido? Neste tão vasto mundo que não adianta me chamar Raimundo para me adequar a ele, só uma rima, sem solução. Mais vastos são os corações! (Parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade, e seu Poema de Sete Faces).
Como psicóloga, o texto me levou a um encadeamento poético de conceitos Freudianos e Lacanianos. Inconsciente, repressão e recalque, Complexo de Édipo, pulsões e desejos ambivalentes. Os constantes espelhos e esse homem fragmentado que busca no olhar do Outro uma completude, um dizer de si, me remeteram imediatamente a Lacan. Lembrei-me também dos Sonhos e Delírios em Gradiva, aquele estudo de Freud, que nos leva a reflexão sobre a incapacidade de amar.
O prefácio me fez refletir sobre O sol também se levanta, do Hemmingway, lido antes dos 15 anos, lembrava da inquietação quanto aquela impotência que condenava os personagens.
Quanto amor se perde e é desperdiçado pelo medo de amar. Medo que a vulnerabilidade provoca, medo decorrente de traumas e feridas antigas. O ser-si-mesmo depende essencialmente dessa disponibilidade a vulnerabilidade. É preciso estar disposto a condição de vulnerabilidade para poder ser autêntico, e somente assim, autêntico e vulnerável, que o amor se torna possível.
Se navegar é preciso, e viver não é preciso. (Fernando Pessoa). Encontrar a si mesmo é uma necessidade. Uma bússola! A peculiaridade da expressão de querer se encontrar, que revela esse algo em nós desconhecido, que ?trai uma suspeita incômoda de que alguma coisa está fora do lugar? (p.47), que não é natural e pronto, mas a ser encontrado (ou construído?). Que nos faz cruzar os mais profundos e distantes oceanos, de águas que tanto simbolizam, em nossa cultura, as emoções, os sentimentos e o inconsciente. Esse paradoxo inexorável que partimos em busca ou em fuga, e acabamos, de fato, encontrando o que sempre esteve ali de alguma forma.