Cassio Kendi 17/01/2023
No primeiro dia de férias entre o primeiro e o segundo ano do colegial, fiz um corte de 20 centímetros na altura do tornozelo, paralelo ao tendão de Aquiles, durante uma partida de futsal na quadra do prédio em que morava. Era uma quadra poliesportiva, que tinha aqueles postes de vôlei/tênis com ganchinhos para colocar as redes. O mais baixo deles estava com a ponta para fora, e, ao passar correndo, o gancho fincou no tornozelo e fez um rasgo. Ganhei uns 30 pontos e uma cicatriz de souvenir.
Fiquei dois meses sem poder jogar bola. Por algum motivo, o mais provável sendo o tédio de não poder sair do apartamento, decidi começar um diário, e escrevi na contracapa 15 objetivos para o ano seguinte. Falhei em quase todos. Alguns nunca consegui cumprir, como correr uma São Silvestre, e outros viria a atingir depois de alguns anos, como ficar fluente em inglês.
"Hábitos Atômicos" seria o livro que eu daria para aquele adolescente entediado com um rasgo no tornozelo, que escreveu vários objetivos para si mesmo sem pensar muito no processo para alcançar cada um.
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A ideia central do livro é que um hábito pode ser dividido em quatro etapas (estímulo, desejo, resposta e recompensa), e para mudar um comportamento, devemos focar em adotar pequenas melhorias em cada uma destas fases. É dessa ideia que vem a palavra "atômicos" do título: ações que, isoladas, produziriam um efeito minúsculo, mas que, cumulativamente, podem transformar um aspecto de uma pessoa.
Para tornar mais concreto, alguns exemplos pessoais de como utilizo as ideias do livro para aumentar as chances de ler mais páginas por dia:
## Estímulo, ou "como lembrar de ler"
- Colocar livros em ambientes mais frequentados - 2020 e 2021 foram anos em que li acima do que considero ser minha média. Por conta da pandemia, fiquei a maior parte do tempo trabalhando home office, bem do lado das prateleiras com meus livros. Era um lembrete visual constante de que havia vários livros que eu já tinha comprado e que gostaria de ler. Para ilustrar com um exemplo mais extremo, basta imaginar se, ao invés de uma televisão, fosse comum ter uma estante cheia de livros em frente do sofá da sala.
- Levar sempre um livro ou Kindle na mochila - Sempre que saio de mochila para algum lugar, levo meu Kindle junto, ou algum livro que esteja lendo. Muitas vezes, só de ter essa opção disponível, acabo substituindo o hábito de checar o celular com o da leitura.
- Instalar app do Kindle ou outro de leitura, e colocar na tela principal do celular.
- Definir horário e local para ler, ou ler logo após uma atividade que seja feita todos os dias - costumava ler entre o momento de escovar os dentes e dormir, duas coisas que já fazia todos os dias.
## Desejo, ou "como sentir vontade de ler"
- Ler livros de que gosta - parece óbvio, mas muita gente quando toma a decisão de “vou ler mais este ano” acha que tem que começar com um clássico de 500 páginas, independente de gostar ou não do estilo do autor. É importante ler livros complexos e um pouco além da capacidade atual, mas também é importante admitir quando a complexidade vira frustração e diminui/elimina a vontade de continuar lendo.
- Parar de ler um livro quando não se está gostando - acho que muito dessa noção de que um livro só é considerado lido se cada palavra entrar pela retina, e de que é um fracasso largar um livro no meio, vem da época de escola, em que os alunos são obrigados a ler um livro até o fim para poder tirar uma nota boa na prova. De certa forma, também é reforçado nesta rede social, quando a meta é ler x livros completos. Uma meta que considero melhor é ler x páginas, ou durante x horas, apesar de ser mais difícil de computar.
- Ler vários livros ao mesmo tempo - é um corolário do ponto anterior. Durante as minhas sessões de leitura, costumava pegar uns 4 ou 5 livros, e revezava entre eles. Eu acabava naturalmente deixando de lado livros que não me interessavam tanto, e dedicando mais tempo àqueles que achava muito bons. É bom também para identificar alguns padrões inesperados entre livros. Por exemplo, agora estou lendo Into the Wild, The Comfort Crisis e The Social Leap, e os três comparam de alguma forma como nossos ancestrais viveram e evoluíram por centenas de milhares de anos com a maneira como passamos a viver nos últimos 50 a 100 anos.
- Ouvir audiobooks - em 2018, assinei por um ano a plataforma de livros Audible e foi uma das melhores decisões que tomei na época. Cerca de um terço dos livros que consumo desde então são em formato de áudio, e isso me motiva a fazer outras atividades mais monótonas, como, por exemplo, ir para a academia e lavar louça. Para autobiografias, é o melhor formato na minha opinião, porque normalmente o narrador é o próprio autor. Infelizmente, o Audible é meio caro por ser em dólar e costuma ter os títulos apenas em inglês, mas no Spotify tem uma quantidade considerável de audiobooks gratuitos em português.
- Participar de um clube de leitura - já participei de três, e acabei lendo livros que normalmente não leria, além de ser incentivado pela possibilidade de discutir o livro com alguém.
## Resposta, ou "como tornar a leitura mais fácil"
- Definir uma quantidade de páginas diárias baixa, principalmente no começo - quando paro de fazer exercícios físicos por um tempo e decido voltar, limito a duração de cada sessão para 20/30 minutos pelas primeiras duas semanas. A partir da terceira semana, fica muito mais fácil apenas prolongar o tempo que me exercito porque o hábito de começar o exercício já está estabelecido. Da mesma forma, para quem quiser começar com o hábito de ler todos os dias, uma possível estratégia é limitar a quantidade de páginas no começo. É mais gerenciável começar com uma página por dia e ir aumentando, do que começar com cem.
## Recompensa, ou "como se recompensar/punir para ler mais"
- Dar-se uma recompensa imediata logo após atingir uma meta - uma coisa que nunca fiz mas que achei interessante é pegar algum alimento que venha em pequenas unidades, como M&M ou TicTac (ou uma alternativa mais saudável, como amendoim ou uva) e comer um no final de cada página. Uma coisa que já fiz e falhei miseravelmente várias vezes foi definir que compraria um livro novo apenas quando terminasse um outro. Ambas são formas de se premiar imediatamente após completada uma ação.
- Dar-se uma punição imediata logo após não atingir uma meta - se você leu até aqui, primeiro, parabéns pela paciência. Segundo, e aplicando este exemplo pra mim, se eu não publicar uma resenha entre 06h00 de um sábado e 20h de um domingo qualquer a partir de agora, você pode copiar e colar a seguinte mensagem para mim após as 20h: "Kendi, você não escreveu neste final de semana. Me faz um pix de 50 reais", e eu vou te mandar 50 reais. Limitado às três primeiras pessoas que me enviarem a mensagem, para eu não falir em caso de eu falhar neste hábito.
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Esses são só alguns exemplos, aplicados a um hábito específico, e um exercício semelhante pode ser feito para outras áreas da vida. O grande mérito do livro é fornecer essa espécie de guia lógico que se aplica a praticamente qualquer construção ou destruição de hábitos.
Quais hábitos você gostaria de ter ou deixar de ter para este ano?