Ubiratan 22/09/2022
Livro ansioso
"Pela primeira vez pensou na morte como solução. Um dia ia abrir a boca na sua roda costumeira no bar da cidade, para dizer alguma coisa, viu que não tinha nada a dizer, não chegou a abrir a boca. Vasculhou-se interiormente, não encontrou nada; nem uma ideia, um pensamento aproveitável. Estava vazio, literalmente vazio, nada interessava, nada tinha importância".
Esse trecho é o sintoma do que aflige o Marciano, protagonista desta história: um certo tédio pela vida, uma apatia de viver, um vazio interno. Mas se engana quem pensou que Eduardo passa a história inteira em cima duma cama: essa apatia geral é levada à base de muita farra, muito chope, muita noite virada, muito bar, muito tudo. Sim, o sujeito está insensível à vida, mas na farra. E o ritmo que impõe a tudo isso é o da ansiedade: nada é vivivo com atenção, paciência, tudo é sofreguidão.
O jeito com que se conta a história inclusive reforça a falta de importância que o mundo tem para o Eduardo: amigos e colegas entram e saem na narrativa sem muita cerimônia ou explicação, nenhum personagem merece descrição, todo cenário é só rapidamente insinuado, as situações se sucedem de forma encavalada, umas por cima das outras, alguns diálogos são cruzados e superpostos numa técnica estranha que faz você ler dois ao mesmo tempo, gerando de fato uma ansiedade, uma sensação de que nada daquilo importa, e de que a vida só valeria a pena de ser vivida na velocidade 2x, como um áudio acelerado de Whatsapp.
Isto aqui, no entanto, me parece descrever não só como Eduardo vive, mas como a maioria de nós adultos tocamos o barco:
"O tempo já não tinha importância: não se contava senão em anos, para que se pudesse ver a curva dos dias com mais perspectiva, já convertidos em experiência..." .
Deus me livre de viver os dias como minutos, os meses como semanas, os meses como os anos, mas é exatamente essa lógica de vida que a gente aceita quando começa a dizer o bordão "...e vida que segue" pra todo impasse. Porque não, não é vida que segue, é vida que pare. Estamos correndo demais. E em direção ao túmulo. Eu quero viver. Coisa que esse Eduardo não parece ter feito.