Mayandson 31/03/2020
Creio que todo leitor, ao terminar Mulheres Empilhadas, sente angústia e surpresa, talvez alívio, com a história que se encerra em suas mãos. Fiz uma leitura compartilhada com mais cinco amigas incríveis e as experiências foram diversas para cada uma. Houve alguns pontos positivos e outros negativos, aos quais valem a pena comentar.
Eu, primeiramente, como filho de mãe vítima da violência pelo seu próprio marido, gostaria de parabenizar a autora pela coragem em escrever um livro tão verdadeiro, por não ocultar os crimes cometidos e nem como foram executados. É triste, mas é importante dar nomes as crueldade para não confundir um xingamento, um soco, um assassinato como um mesmo tipo de agressão. Não são! E é apontando essa crueldade que se pode alertar os níveis que sucedem quando um deles é relativizado.
O enredo gira em torno da nossa protagonista, uma advogada que viaja ao Acre para organizar estatísticas de casos de feminicídio como contribuição para um livro que está sendo desenvolvido por uma sócia-majoritária, Denise Albuquerque, do escritório em que trabalha, sejam essas violências contra mulheres brancas, negras, ricas ou não, indígenas, figuras públicas ou desconhecidas. Todas mulheres, vitimadas pelas mãos de um marido, namorado, amante, parente, vizinho, desconhecido, executados sozinhos ou em grupos.
Dos inúmeros pontos positivos, as discussões que questionam os atuais meios de lidar com a situação são de extrema importância, como os aumentos dos casos de feminicídio e a lei Maria da Penha, cuja eficiência é inegável, mas infelizmente não chega a todas as mulheres, principalmente as mulheres indígenas que geralmente dispõe de outro meio de solução para questões familiares através da hierarquia em seus povos. A lei Maria da Penha é uma lei muito recente, de 2006, e ainda que talvez seja o nosso mais importante instrumento de combate, pensem: quantas mulheres ainda não têm coragem ou acesso a esse instrumento ou quantas mulheres perderam suas vidas antes da criação da lei? Minha mãe sofreu tentativa de homicídio entre 2000 e 2001, quando assuntos como esse não eram tratados com tanta importância na nossa sociedade como é atualmente.
Apenas uma coisa não me agradou: a experiência onírica da nossa protagonista ao experimentar ayahuasca, uma bebida característica da cultura indígena. Nos primeiros relatos, achei a proposta extremamente interessante, mas depois fiquei com a sensação de que pequenas divagações prejudicaram a história num todo. Acreditei até que seria uma história ex machina (felizmente não foi!)
No mais, Mulheres Empilhadas não é apenas um romance ficcional que se guarda na estante e na memória. É o tipo de história que causa angústia por saber que não é apenas ficção, que causa surpresa pelas atrocidades dos agressores, da justiça e a própria sociedade em justificar, não julgar corretamente ou desmerecer a dor de uma mulher em situações de vulnerabilidade, mas que, nas mãos da talentosíssima autora Patrícia Melo, nos reconforta um pouco com o alívio de que mais pessoas, através de seu livro, não se conformarão com a quantidade de mulheres empilhadas diariamente nesse país, assim como minha mãe, que segue, ainda que em cadeira de rodas, fugindo desses empilhamentos.
Por fim pergunto, em especial aos homens, assim como eu: também agiremos ou continuaremos achando que o problema não é nosso e sim delas?