Gisela.Bortoloso 08/09/2020O PROFESSOR [CHARLOTTE BRONTË]Sou uma amante de romances históricos clássicos, pois este tipo de romance é uma inesgotável fonte de conhecimento, me permitindo aprender outros costumes, afinal não são livros baseados em pesquisas, eles foram escritos por autores que viveram aquele momento, logo escreviam conforme seus próprios comportamentos e condutas. Os conflitos internos dos personagens, gestos, linguajar, são conduzidos para as suas páginas, contextualizando e ampliando a sensação de se estar vivenciando outra realidade, como que transportada por uma máquina do tempo.
Já conhecia Charlotte Brontë pela sua mais famosa obra, Jane Eyre, ao qual sou apaixonada, já tendo lido o livro duas vezes e visto várias adaptações de séries e filmes. Confesso minha ignorância de não conhecer esta obra, nem sabia de sua existência. Talvez por isso a leitura me impressionou bastante, foge completamente do estilo de Jane Eyre, pois os personagens são todos a frente do seu tempo, a sua maneira simples, tentavam alcançar a tão almejada felicidade, diferentemente de Jane Eyre onde eles viviam reprimidos pelos ditames da sociedade.
Com isso, a trama, apesar de mais simples, tornou-se mais saborosa, pois muito era dito nas entrelinhas (sabemos, por exemplo, que não se podia declarar abertamente a sexualidade de um personagem, e nesta obra de Brontë, uns dos seus personagens é homossexual). Fiquei tão impressionada com a leitura que fui pesquisar mais sobre a autora no Google, li sua biografia e descobri que este livro foi escrito antes de Jane Eyre, mas infelizmente rejeitado por muitas editoras, só sendo publicado postumamente em 1857.
A fantasia envolvendo professor faz parte do imaginário de muitas alunas, inclusive na biografia da autora, dizem que ela se apaixonou por Constantin Heger, que dirigia juntamente com sua esposa, o internato para meninas onde Brontë ensinava inglês em Bruxelas, e que foi a fonte de sua inspiração para o livro, o que torna a leitura ainda mais interessante.
Para a autora, um herói deveria passar pela vida trabalhando, da mesma forma que homens reais o fazem, sem aceitar nem uma moeda que ele não tenha merecido. Assim nasceu William Crismsworth, um órfão inglês criado por tios aristocráticos, foi educado em Eton, e durante os dez anos que lá ficou, não teve mais nenhum contato com seu irmão mais velho, que soube, ter enriquecido no comércio.
Por não se entender bem com os tios, depois de formado pediu um emprego ao irmão mais velho. Chegou cheio de entusiasmo e alegre, mas encontrou um irmão frio e distante, que, entretanto, lhe arrumou o emprego, mas não o convidou a morar na sua mansão. Sem desanimar William alugou um pequeno quarto e estava determinado a provar ao irmão que era um bom trabalhador, mas embora se esforçasse, sempre era depreciado pelo irmão, até que a situação se tornou insuportável e ele, assim, aceitou a colocação de professor numa escola para meninos em Bruxelas, Bélgica.
Lá a situação mostrou-se mais favorável ao jovem. Adaptou-se bem ao novo trabalho e seu quarto tinha uma janela vendada porque dava de frente para o jardim de um internato feminino, inclusive a diretora deste estabelecimento estava precisando de um professor de inglês e contratou William, que se animou com a novidade de dar aulas para moças.
“Até que enfim eu veria aquele misterioso jardim, contemplaria tanto os anjos quanto seu Éden.”
A trama é narrada pelo próprio William, que vai descrevendo os personagens como ele os vê, inclusive fazendo-lhes a análise de caráter. Ao frequentar o internato das meninas, mesmo não se achando um homem bonito, era jovem e precisou se impor para obter o respeito de suas alunas. Percebeu um certo interesse da diretora, Zoraide Reuter, em sua pessoa. Lá conheceu uma jovem professora de costura, Frances Evans, que ele já tinha reparado em sua dificuldade de se impor perante as ricas alunas, devido a sua posição social inferior. Animou-se em ajudá-la a superar esta barreira.
“- Monsieur Creemsvort, aquela jovem que acaba de entrar deseja ter aulas de inglês com o senhor. Ela não é aluna daqui. Na verdade, é uma professora que dá aulas sobre como remendar tecidos de renda e alguns bordados de tricô. Ela fez uma solicitação por um cargo mais elevado, e pediu permissão para assistir as suas aulas, a fim de aperfeiçoar seu inglês.”
O texto, diferente dos atuais, desnuda a alma dos personagens, trabalha sobre seus conflitos existenciais, desejos e restrições. Vi no livro a ânsia dos protagonistas de vencerem barreiras impostas pelas diferenças sociais e culturais, e todo este rico contexto me levou a apreciar cada parte da leitura. Charlotte Brontë não se absteve de alfinetar seus conterrâneos ingleses.
“Duas pessoas que possuem gostos simples podem viver bem em Bruxelas com uma renda que sequer poderia arcar com as despesas de uma acomodação descente em Londres: não porque as necessidades vitais são muito maiores naquela grande capital ou porque os impostos são muito mais caros, mas sim porque os ingleses são mais tolos do que todas as outras nações criadas por Deus. Eles são mais sujeitos a serem escravos dos costumes e das opiniões alheias, possuem um desejo em manter as aparências; tal sentimento suplanta o dos italianos com relação ao sacerdócio, ou dos franceses com relação à vaidade, ou dos russos ao czarismo, ou até dos alemães quanto à cerveja preta.”
Não são todas as pessoas que conseguem se adapta a leitura de clássicos, a maioria estranha o linguajar mais rebuscado, particularmente, isso é que os torna mais atraente para mim, pois como já disse anteriormente, me sinto vivenciando outra época.
Recomendo muitíssimo a leitura deste livro.
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