João Vitor Gallo 27/01/2016
Este não é um livro para os iniciantes neste fantástico mundo criado por J. R. R. Tolkien, e isso é algo que deve ser dito antes de qualquer outra coisa, se você não já tiver lido O Senhor dos Anéis, O Hobbit e O Silmarillion antes de começar Contos Inacabados é provável que se decepcionará com ele, afinal a proposta deste livro é justamente explicar e complementar alguns pontos vistos nestas obras.
É basicamente composto por histórias incompletas, faltando um pedaço ou outro, afinal de contas não é à toa que a obra se chama Contos Inacabados. Tolkien, como já é bem conhecido, gostava de escrever e reescrever as suas histórias corrigindo constantemente pequenos detalhes, então existem vários esboços de uma mesma narrativa que apresentam algumas diferenças entre si, tentando dessa forma tornar o mundo totalmente coerente e bem amarrado ajustando todas as pontas soltas que tanto o preocupavam. De fato, por amar tanto a sua obra e por valorizar tanto esse mundo, ele arduamente tentava fazer tudo beirar a perfeição, corrigindo e modificando todo e qualquer elemento que julgava estar um pouco fora do que ele desejava, e raramente ficava satisfeito com o resultado, por isso tantas e tantas versões dessas histórias. Isso mostra não apenas o perfeccionismo do Tolkien, mas também dá essa absurda vivacidade toda ao mundo que ele criou, o tornando o mais crível possível dentro desse contexto fantástico e mitológico, fazendo como que cada lugar descrito tenha, além dos cuidadosos detalhes geográficos, uma história por trás, assim como os nomes de personagens, e até da própria História da Terra-média ao longo das Eras.
Nesta obra fica ainda mais claro o trabalho do Christopher Tolkien em deixar o trabalho do seu pai publicável, reunindo e editando as diversas versões que ele escreveu através dos anos de algumas histórias, contos e poemas, ajustando, por exemplo, alguns nomes que foram mudados. Como essas histórias eram apenas esboços, portanto não foram finalizadas, ele teve de juntar algumas versões dessas histórias, dando foco obviamente as mais recentes dentre elas, dando a máxima coesão possível nessas histórias para que pudessem ser publicadas, sem ele algumas das melhores obras do pai talvez jamais pudessem ser lidas pelo público. As inúmeras notas explicativas que são dadas são mais claras do que tudo aquilo que eu possa dizer a respeito, e certamente desmentem a aqueles que por um motivo ou outro insistem em desmerecer o hercúleo trabalho do Christopher Tolkien em manter vivo o legado do pai.
Quanto ao livro em si, ele se divide em quatro partes, sendo a Primeira Parte voltada para os acontecimentos ocorridos durante a Primeira Era, com as histórias de “Tuor e sua chegada a Gondolin” e também com uma versão de “O Conto dos filhos de Hurin”. A Segunda Parte corresponde a Segunda Era, e destaco aqui os capítulos com a descrição de Númenor, bem como “Aldarion e Erendis- a esposa do marinheiro”, que é uma excelente história que envolve alguns dos governantes da ilha de Númenor. E há também um dos pontos altos desse livro, o “Acerca de Galadriel e Celeborn”, onde se fala mais sobre a história de como Sauron criou os Anéis de Poder usando os elfos de Eregion, principalmente o Celebrimbor. A Terceira Parte do livro é um pouco mais dinâmica que as anteriores e é focada nos acontecimentos ocorridos durante a Terceira Era, descrevendo com maiores detalhes sobre a morte de Isildur e como ele perdeu o Um Anel que tirou da mão de Sauron, que, aliás, é outro ponto alto da obra. Também somos presenteados com o capítulo “Cirion e Eorl e a amizade entre Gondor e Rohan”, onde dá-se a explicação do nascimento da amizade entre essas duas nações, bem como os Senhores dos Cavalos foram habitar aquelas terras. Já “A Busca de Erebor” é um relato contado por Gandalf a Frodo, Merry, Pippin e Gimli em Minas Tirith após a coroação de Aragorn como rei, e fala principalmente do motivo que levou Gandalf a escolher Bilbo para fazer parte da companhia de Thorin, escudo de carvalho, e em “A caçada ao anel” conta-se sobre a busca dos Nazgûl pelo Um Anel, mas também fala de Saruman e do começo de seu desejo por possuí-lo.
A Quarta Parte é a que talvez mais agrade aos fãs, já que se propõe a dar ainda mais informações novas, com um capítulo voltado aos Druédain, que contém inclusive com uma pequena, mas excelente história chamada “A pedra fiel”; um excelente capítulo sobre os Istari, os Maiar que foram enviados pelos Valar para aconselhar os elfos e homens contra Sauron, sendo estes: Gandalf, Saruman, Radagast, Pallando e Alatar. E para finalizar há também um capítulo focado nos palantíri.
Contos Inacabados é um livro para quem quer mergulhar mais fundo nesse universo, que de tão detalhado torna-se vivo e extremamente crível, apesar dos seus contornos fantásticos, e que chega ser difícil de acreditar que toda essa mitologia complexa foi criada pela mente de uma só pessoa. A brilhante narrativa de J. R. R. Tolkien aliada a esse universo fantástico que ele criou torna fácil para o leitor se deixar levar pelas detalhadas descrições e perder a noção do tempo ao querer saber mais e mais da História da Terra-Média, mas ao mesmo tempo esta é uma leitura lenta, com idas e vindas nas notas, o que pode deixar os leitores perdidos se não deixarem um marcador na página em que estão lendo e outros dois nas notas e no glossário, mas também podem ficar por não conseguirem assimilar tanta informação, ou mesmo ficarem perdidos apenas por viajarem nas páginas, mergulhando mais fundo nas curiosidades e na própria construção do universo do Tolkien, vivendo a Terra-Média.
Então, novamente dizendo, se você não leu O Senhor dos Anéis, O Hobbit e o Silmarillion, não vá começar por esse livro, leia estes antes, mas se você já os leu, gostou e quer saber mais desse universo fantástico, Contos Inacabados pode dar o que você procura. É um excelente livro, porém ele exige do leitor e não é uma leitura leve, é bem complicado na verdade, porém, para quem gosta, ela certamente também é recompensadora.
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