Paulo 15/11/2020
“A verdadeira felicidade só dura um instante... Temos que aproveitar ao máximo, não acha?”
Boa Noite, Punpun Vol. 2 se passa 2 anos após os acontecimentos da edição anterior, e nos apresenta Punpun aos 13 anos, no último ano do ensino fundamental. Mas as coisas não mudaram muito para ele: segue apaixonado pela mesma garota, tem um pai presente somente através de cartas que envia ao garoto - sempre falando de coisas triviais, sem nunca perguntar como Punpun se sente –, uma mãe alcoólatra, e, agora, seu tio está ficando cada vez mais perturbado. E se o Vol. 1 tinha uma pegada mais de “slice of life”, onde acompanhávamos a rotina do personagem, seus dias na escola e em casa, e suas primeiras descobertas, nesta edição, Inio Asano dá ênfase nos sentimentos de Punpun por Aiko, que começou a sair com um veterano do clube de badminton. Mas o veterano Yaguchi é um cara legal, e Punpun não sabe como lidar com o fato de que para ele ser feliz com a menina, um cara legal como Yaguchi vai ter de sofrer com a dor da separação. Será que a felicidade de uma pessoa sempre se ergue sobre a infelicidade de outra? Pra piorar, Aiko também começa a revelar traços obsessivos e destrutivos: a garota não quer um relacionamento com alguém que possa ser feliz sem ela; quer alguém que seja capaz de largar tudo, e que olhe apenas para ela. Além disso, a edição foca no início do relacionamento do tio do garoto, Yuuchi Onodera, com uma garçonete, dando ênfase a uma personalidade compulsivo-depressiva que não tinha sido explorada até então, mostrando mais do seu passado obscuro e de um relacionamento traumático que fez com que ele se fechasse para as pessoas e que influencia a sua vida até hoje.
Porém, a trama vai muito além destes relacionamentos. Punpun passa por diversas situações que nos fazem refletir sobre a solidão, egoísmo, depressão e principalmente, abandono familiar e as consequências de se viver em um lar problemático. A depressão, o comportamento antisocial, tudo sempre esteve ali, na cara dos adultos, e eles não fazem nada. Punpun não tem com quem falar sobre seus sentimentos, seus medos, suas descobertas, e suas inseguranças, e com o tempo, várias pequenas situações e dilemas comuns da adolescência, mas que são enormes na cabeça de um adolescente sozinho, vão se acumulando e começam a aprofundar o quadro de depressão do garoto, que começa a se afastar até mesmo de seus amigos de infância. Além disso, Inio Asano aborda algumas doutrinas do niilismo através de seu tio Yuuchi, mais um integrante da família com sequelas emocionais e com tendências depressivas: cético e complicado, leva seus dias com pessimismo e auto-ódio.
Enfim, não tanto pelo Vol. 1, mas num contexto geral, a partir desta edição a história começa a ficar cada vez mais pesada, com um clima bem depressivo, e, por isso, é uma obra difícil, recomendada para quem se sente confortável com a dor que a arte pode trazer (o que pode inclusive ser gatilho para algumas pessoas, portanto evite ler em momentos mais delicados). Porém, vale uma chance. A obra é um convite à reflexão e, mais ainda, à experimentação de novas sensações através da arte. É uma obra pra ler devagar, parando para racionar e digerir aquilo que tudo que você acabou de ver. E, quem sabe, também vá terminar a edição com lágrimas nos olhos.
PS: Ao comentar a primeira edição de Boa Noite, Punpun, falei do surrealismo experimental de Asano, que pode incomodar alguns. O mangaká diminuiu bastante a dose de psicodelismo neste volume, e a história é bem mais fácil de acompanhar (ainda que se faça presente num quadro, outro ali).