de Paula 14/03/2021
E se não formos o centro do universo?
Bem, sou suspeita a falar de Arthur C. Clarke, pois é um dos meus autores, se não, o favorito de ficção científica. Muitos reclamam que seus livros não contém história, mas o encanto dele é exatamente este. Acredito que o único que conseguiu enxergar tão bem essa alma literária foi Kubrick e por isso 2001 é um dos maiores filmes da História do Cinema. Deixando um pouco de lado a fangirl que sou, vou comentar sobre a leitura.
A narrativa começa com um asteroide que entrou no Sistema Solar e começou a causar tensão na comunidade planetária, considerando que a velocidade desse corpo aumentava a cada dia e poderia entrar na órbita dos planetas, sem saber de onde ele vinha e o seu potencial, uma equipe é enviada diretamente para o objeto, chamado de Rama, deus Indu, considerando que os deuses da mitologia grega e romana, até da nórdica, já haviam sido homenageados. E a nave Endevour é enviada para Rama e lá acontece o encontro.
Com uma narrativa linear, o texto segue um pouco a premissa de Solaris, do polonês Stanislaw Lem, sobre a descoberta de um mundo, sem conseguir definir o que de fato gere as motivações daquele corpo celeste desconhecido e objeto de estudo. Por isso, quem espera uma temática a lá Fim da Infância, infelizmente não temos a mesma complexidade. No entanto, a leitura é muito estimulante e cada capítulo te leva a uma problemática que vai ser resolvida na sequência, mas, te deixa com os nervos a flor da pele. Você não consegue parar de ler e imaginar o interior de Rama.
Gosto de como a história é dividida entre os personagens, embora haja um protagonista, muitos tem seu momento sob os holofotes. Embora, algumas falas de Norton sejam machistas, o livro tem mulheres muito fortes e que desempenham papéis que em outros livros poderiam tranquilamente ser desempenhados por homens, o que é um avanço para uma obra publicada na década de 1970, mesmo que a narrativa se passe no século XXII. Nenhuma das grandes descobertas será feita pelo capitão, e isso é muito interessante, porque você tem a visão de outros personagens sobre Rama e todas as questões que permeiam a missão, o que era de se esperar de um autor de tamanha qualidade.
Quero comentar sobre o cristianismo planetário criado após as expedições terrestres no Sistema Solar, em que os eventos universais passam a ter interpretações bíblicas. Mesmo com o respeito, há um certo ceticismo sobre esses tipos de cientistas entre a comunidade, considerando que normalmente, ciência anda no lado oposto da religião. Na missão, Boris Rodrigo é o cientista cristão. Como a religião possui uma visão maniqueísta da vida, Satanás é representado por um planeta, meio óbvio, Mercúrio, o mais próximo do Astro Rei. No entanto, para quem conhece algo sobre ciência, Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol, mas não o mais quente, que é Vênus, por isso o sentido "equivocado" de inferno. Inclusive, há uma localidade em Mercúrio que se chama Porto Lúcifer. Essas questões religiosas são magnificamente destrinchadas num momento específico da história e é magnífico o fechamento dado ao ciclo.
Gostei muito do desfecho, não sou muito fã de coisas explicadinhas, quando se trata de ficção científica é melhor dar asas a imaginação, do que o autor dar um encerramento que destrua toda a história construída até então, mas não é o ápice deste livro o final. O que mais marca em toda a temática proposta é: somos tão importantes quanto pensamos? Dentro do Sistema Solar, diante da imensidão do universo, quem são os seres humanos? Fica a reflexão.