Claudio.Kinzel 24/08/2022
Leitura instigante, apesar do desfecho inconsistente
O Avesso da Pele é uma leitura instigante que pode ser analisada sob dois aspectos: no primeiro, o enredo, sua estrutura e narrativa; no segundo, o aspecto social na questão do racismo, já que o narrador conta a história de seus pais, ambos negros, e as dificuldades que enfrentaram ao longo da vida, bem como as suas próprias.
Na verdade, são memórias de como Pedro, 22 anos, imagina a vida de seus progenitores após a morte do seu pai. Por isso, ele se refere ao pai como "você" em capítulos de um único parágrafo, o que pode por vezes torna a leitura cansativa. A descrição é detalhada, e os personagens, bem como as situações apresentadas, são bem construídos, o que torna a leitura agradável. Porém, em vários momentos, o autor acrescenta situações referentes ao racismo e, embora muitas delas sejam relevantes e forneçam ao leitor uma perspectiva apropriada do contexto, em outras a impressão que fica é houve um excesso, como se tudo estivesse relacionado à cor da pele. Por exemplo, quando os pais de Pedro fazem terapia de casal com seus dois terapeutas, o narrador assume que, como os terapeutas são brancos, não poderiam ajudá-los adequadamente no tratamento: "A psicanálise tinha cor e ela era branca, você pensou. E definitivamente havia coisas que escapavam a Freud". Os relatos de situações cotidianas, como abordagens policiais, mostram uma realidade que está entranhada na sociedade brasileira. Pessimista, o autor não vê solução ou mesmo reconhece que houve avanços nos últimos anos, pois o próprio Pedro faz faculdade através do sistema de cotas, algo que não existia na época de seu pai. Portanto, houve avanços. A visão caricaturada de Porto Alegre, "a cidade mais racista que existe", é bem infantil, pois não há como sequer mensurar uma afirmação como essa. E, em nenhum momento, nem pai, nem filho, apesar de viverem num local que consideram inadequado, pensam em se mudar para outro no qual poderiam, segundo seus critérios, viver melhor.
O pai, professor de literatura, é morto numa abordagem policial por se recusar a seguir os procedimentos da polícia: "Então, você abriu a pasta, ignorando os gritos policiais, os gritos de larga a pasta, por* . Você ignorou porque agora era a sua vez. Era a sua vez de ditar as regras". Ora, qualquer pessoa, de qualquer cor, se tiver uma atitude assim, corre o risco de sofrer as consequências de uma polícia por vezes despreparada. O final imaginado pelo filho foi quase um "suicídio" do pai e tornou o desfecho inconsistente, forçado e sem sentido, apesar do lirismo da analogia do Crime e Castigo de Dostoievski, que é um dos pontos altos do livro, especialmente quando o pai o utiliza em suas aulas. Apesar dos problemas, é uma leitura interessante, um livro para fazer refletir sobre o racismo, muitas vezes velado, no Brasil.