Larissagris 08/11/2023O PRIMEIRO DIA DA PRIMAVERA (NANCY TUCKER)Então era só isso que precisava, pensei. Era só isso que precisava acontecer para eu sentir que tinha todo o poder do mundo. Uma manhã, um instante, um menino de cabelo amarelo. Não era muita coisa, no fim das contas. (Pág. 15)
Em pouco tempo tudo vai voltar para o normal. Eu vou esquecer como é ter mãos fortes o suficiente para arrancar toda a vida de dentro de alguém. Vou esquecer como é ser Deus. (Pág. 15)
Era aí que eu jogava o tabuleiro longe, ou rasgava meu caderno de lição de casa, ou batia a cabeça de outra criança na parede. Quando você fazia coisas assim, os cuidadores vinham em bando, um segurando em cada lugar, e com tanta força que não dava nem para se mexer. Eu fiz um monte de coisas erradas. Era bom ser segurada assim. (Pág. 46)
Porque qualquer criança que ficasse comigo ia virar uma espécie de quebra-cabeça com peças estragadas e faltando. Se Molly ficasse comigo, ia virar Chrissie quando crescesse. (Pág. 51)
Ia ser um dia bem vazio, mas a vida era assim mesmo às vezes. Você precisava aprender a aguentar firme. (Pág. 55)
As pessoas viviam prometendo coisas, como se prometo fosse algo além de uma palavra idiota. (Pág. 62)
Tive vontade de contar que, depois que matei Steven, eu me senti mais segura que antes, porque era comigo que precisavam tomar cuidado, e ser a pessoa com que os outros precisavam tomar cuidado era a condição mais segura de todas. (Pág. 62)
Nós ainda íamos na igreja aos domingos. A mamãe gostava de Deus, apesar de não gostar de mim. (Pág. 76)
Comecei a entender que eu não queria ela, não de verdade, não do jeito que ela era. Eu voltava rastejando porque esperava um dia descobrir que ela tinha mudado e virado o que não era. (Pág. 102)
Geralmente quando as pessoas dizem que é uma coisa que não se deseja nem para os piores inimigos, isso significa que provavelmente elas desejam aquilo para os piores inimigos, e inclusive iam achar divertido se acontecesse com eles. Não tinha muita coisa no mundo que eu não ia desejar que acontecesse com Donna. (Pág. 109)
[...] liberdade não era a mesma coisa que se sentir livre. (Pág. 132)
Você só se esforça para proteger o que é importante na sua vida. (Pág. 143)
Eu meio que achei que, se o seu filho morreu, um desenho feito por uma criança que não morreu não chega nem perto de ser o que você precisa. Mas eu não tinha filhos, então na verdade não sabia com certeza. (Pág. 189)
Às vezes é preciso abrir um espaço entre você e outra pessoa, mesmo aquelas que você gosta, mesmo aquelas que você ama, porque você pode estar com calor ou precisando respirar. (Pág. 198)
Nós éramos como uma família de passarinhos que deu errado, a mamãe e eu: ela saía para buscar comida, eu ficava no ninho. Mas só às vezes ela trazia pedaços de minhoca mastigados para mim, e eu engolia todas as migalhas que me sobravam. (Pág. 202)
Eu não sabia como dizer que a comida deixava de ser comida quando você não tinha o que comer, que se tornava uma ausência cada vez maior enquanto você definhava. A comida virava o jeito que você media as horas, o jeito que diferenciava um dia bom de um ruim, uma coisa a que você se apegava quando tinha e lamentava quando não tinha. Eu não sabia como explicar a fome, e não sabia se valia a pena tentar. Não dá para entender a fome a não ser que você já tenha sentido. (Pág. 202)
Seria loucura dizer que eu matei porque passava fome, mas a fome era uma forma de loucura. Era o motivo por trás de muita coisa que eu fazia na época. (Pág. 202)
Doía demais ser grande. Ser grande demais para caber nas roupas que tinham o cheiro da Linda e das ruas. Grande demais para me esconder. Grande demais para amar. (Pág. 204)
As crianças não nascem amando você. Precisando de você, talvez. Mas amando, não. Você precisa se esforçar para ganhar amor. (Pág. 209)
Ninguém nunca me ensinou nada. Mas, se quiser, você aprende. E depois aprende a ser um pouco melhor no dia seguinte. E vai fazendo assim todos os dias. Na maior parte do tempo é bem difícil e chato, mas não é impossível. Você só precisa querer de verdade. (Pág. 210)
"Nós podemos realmente confiar que uma assassina de crianças seja capaz de criar a própria filha?" (Pág. 234)
Eu queria perguntar para a mulher bonita se ela tinha escolhido Ruthie e não eu porque Ruthie era bonita e eu feia, ou se foi porque ela tinha três anos e eu oito, e em que momento entre os três e os oito anos uma criança fica grande demais para amar. (Pág. 245)
O mundo aqui de fora me transformou em uma casca seca. Era uma vida solitária e segura. Nada podia me atingir se eu não tivesse nada por dentro. Às vezes eu achava que sentia falta não de Haverleigh, mas de quem eu era quando estava lá. Às vezes eu achava que sentia falta era da Chrissie. (Pág. 259)
Às vezes acho que eu não preciso de prisão perpétua, porque tive a Molly. Ela é a minha sentença. Enquanto ela estiver comigo, eu não tenho como esquecer o que fiz. Nunca. Nunca mesmo. (Pág. 261)
- Ela fez coisas horríveis. Fez, sim. Mas é só uma criança. Precisava que pessoas como eu olhassem por ela, e eu não fiz isso. Eu falhei com ela. Todos nós falhamos. Ela é só uma garotinha. (Pág. 268)
Quando eu me lembrava dos meus 8 anos, lembrava da fome que contorcia o meu cérebro em formas afiadas, e da vergonha de acordar com os lençóis molhados, e da sensação de que ninguém no mundo inteiro me queria. Ninguém no mundo inteiro nem gostava de mim. (Pág. 298)
Algumas coisas eram tão ruins que você deixava de ser criança se fazia. (Pág. 298)
Nunca dava para saber quando alguém ia tentar matar você. Era só ver o que aconteceu com Steven e Ruthie. (Pág. 300)
Quando uma pessoa que você conhece morria, você não morria junto. Você seguia em frente e ia passando por fases e épocas tão diferentes que pareciam outras vidas, mas mesmo nessas outras vidas os mortos continuavam mortos. Não importava se você estava feliz ou triste, se pensava neles ou não, se sentia falta deles ou não. Se não fosse para sempre não era morte de verdade, era só alguém que se importava tão pouco com você que desaparecia. (Pág. 302)
Eu não fiz nenhum barulho de choro. Deixei as lágrimas correrem molhadas pelo rosto e caírem no vestido, onde fizeram manchas do tamanho de moedas. Do mesmo jeito que eu tinha visto Susan chorar quando bebemos leite no muro de plantar bananeira. Parada e em silêncio. Eu não tinha entendido naquela hora; era um jeito bem estranho de chorar. Mas agora eu entendia. Era o jeito como você chorava quando estava cansada até os ossos, quanto sentia que não tinha mais força dentro de você para fazer nada a não ser chorar. (Pág. 314)
Eu quero que você lembre de mim. Quero que você lembre de ser minha melhor amiga. Quero que você lembre que tem que gostar de mim, que é sua obrigação gostar de mim, porque você é a única pessoa no mundo inteiro que consegue fazer isso. (Pág. 315)