Mari 08/03/2024Não fossem as sílabas de Madalena, Francisca e CatarinaMais do que um livro sobre luto, é um livro sobre luta. E aqui, me refiro para além do enfrentamento da perda, englobando a luta pelas relações,
pelas memórias, pela vida.
Um livro que nos torna íntimas de Ana: uma mulher que após uma tragédia, se vê viúva, mãe, e passa a se considerar monossilábica para a vida. Mas que para nós,
leitoras e leitores que adentramos essa narrativa voraz, crua, e de não tão fácil digestão, sua história é tudo menos monossilábica.
Inundada por sentimentos densos, frases extensas, sem fim, que não são externalizadas pela personagem; que criam um nó, um emaranhado preso na garganta,
implorando para ser vomitado ao mundo, "Não fossem as sílabas do sábado" nos leva a devorar, deglutir e sermos consumidos pela narrativa de Ana. Uma narrativa que,
como à ela, nos tira o ar.
Que nos conduz a conhecer o cansaço, o peso, a dificuldade que nossa narradora tem, no ínfimo tempo existente nos segundos de uma queda,
em expressar todas as sílabas contidas nas palavras sábado, Madalena, Francisca e Catarina - principalmente se comparadas com as palavras Ana e André. Mas que também,
conforme ganham novos contornos e significados, essas mesmas palavras tornando-se mais
leves e gostosos de se deixar saboreando na boca, assim como auxiliam Ana a dar um novo sentido à sua jornada em direção a um possível domingo que lhe aguarda. Afinal,
a vida e o tempo -que durante um período ou não se fazia suficiente ou, quando transbordava ao relógio, era aprisionando ao passado - aos poucos, vão se tornado
passível de serem aproveitados no instante vivido e vislumbrando um futuro.
" [...] olho pela janela e mantenho minha cara assim de costas, inacessível, enquanto pergunto, finalmente, quando ela talvez já nem mais precise,
- E para você Madalena, como foi tudo isso?
Ela ri, sabendo que com essa pergunta inauguro um mundo, o Miguel e muito mais [...]
Temos tanto tempo".
obs: E Mariana? Obrigada por cada sílaba desse livro.