Sabrina758 29/10/2022
Em seu livro de memórias, a Michelle Zauner, mais conhecida pelo seu projeto musical Japanese Breakfast, narra as transformações em sua vida após a morte de sua mãe devido ao câncer. Um livro recheado de referências, culinária e memória afetiva, família, luto e ressentimento, mas também superação. De que forma ela poderia se reconectar a uma cultura e honrar a relação e memórias com a mãe?
A Michelle enfrentou várias perdas e crises de identidade. Primeiro sua vó, depois a tia e, por último, a mãe. As duas últimas de câncer. Desde a infância, por conta de sua dupla nacionalidade, teve dificuldades em se encaixar e encontrar nas duas culturas. Sua mãe, coreana, era a maior ligação que a Zauner tinha com o país. Apesar de ter nascido na Coréia, seus pais mudaram para o Oregon quando ela tinha 1 ano de idade.
Uma vida inteira nos EUA, mesmo recebendo uma educação mais rígida, característica dos lares asiáticos, ela se rebelou e foi uma adolescente fora da curva. O que, bem, é esperado nessa faixa etária também. Mas, por pensar e agir tão diferente das expectativas de sua mãe, gerou muitos conflitos, especialmente quando começou a se interessar por música e seus pais não apoiavam esse sonho. Michelle passou por uma depressão, o que também interferiu em seus estudos e relação com os pais.
É uma narrativa muito sensível, sincera e complexa. Ao longo dos capítulos vamos descobrindo o que tornou a Michelle a mulher que é hoje, e como isso também refletiu em sua arte. Ela cresceu no meio de uma relação quase simbiótica com a mãe, que foi se dissipando a medida que crescia e não conseguiam se fazer entender. O pai sempre muito fora do protagonismo, seu papel sendo de prover para a família, com uma ligação emocional bem mínima.
Quando a mãe adoece, Michelle já morava sozinha e estava tentando fazer a carreira musical funcionar, enquanto trabalhava em vários empregos de meio período para sustentar esse sonho. Apesar do quão duro isso é, o câncer fez com que ela enxergasse o tempo que perdeu, o quanto poderia ter valorizado mais a mãe, mesmo em suas diferenças. Puniu-se, tentando fazer de tudo para ser a filha que a mãe sempre sonhou. E, apesar de tudo, foi necessário para que ela finalmente se estruturasse e compreendesse que existiam coisas fora do seu controle, que ela não precisava ser "a filha ideal" para ser amada e amar a mãe.
Uma das coisas mais especiais nessa leitura foi a importância da comida. As viagens para a Coréia, os diversos sabores, a relação com a família materna, etc. Michelle demorou, mas aprendeu, finalmente, que ela não precisava provar nada a ninguém, nem se encaixar em moldes. Ela é birracial, e a conexão que ela tem com as duas culturas é unicamente dela. Quando ela cozinha e prova sabores, texturas e aromas que a lembram da mãe e sua terra natal, está exercendo algo que é, também, parte inerente dela. É realmente uma jornada muito bonita e igualmente dura, e eu amo como isso reflete em sua música até hoje.