Renata CCS 03/08/2016A fina elegância do ato de escrever.
“O amor eterno é o amor impossível. Os amores possíveis começam a morrer no dia em que se concretizam.” (Eça de Queirós)
“O que eles disseram um ao outro, com os simples olhos, não se escreve no papel, não se pode repetir ao ouvido; confissão misteriosa e secreta, feita de um a outro coração, que só ao céu caba ouvir, porque não eram vozes da terra, nem para a terra as diziam eles. As mãos, de impulso próprio, uniram-se como os olhares, nenhuma vergonha, nenhum receio, nenhuma consideração deteve essa fusão de duas criaturas nascidas para formar uma existência única.” (Machado de Assis – Helena)
Ninguém melhor que Machado de Assis para descortinar as inúmeras facetas do ser humano. Ele revela a uma sociedade conservadora aquilo que as pessoas mais querem esconder, fazendo profundas reflexões sobre os mistérios da alma, sem deixar de lado uma fina ironia, uma das marcas de sua escrita.
A história de HELENA se passa no século XIX, entre 1850 e 1851, na Chácara Andaraí, Rio de Janeiro, tendo o início marcado com a morte do Conselheiro Vale e a abertura de seu testamento, quando reconhece Helena como filha, fruto de um romance extraconjugal. A família, que desconhecia a existência da moça, acolhe-a em sua casa. Helena é recebida com uma recepção calorosa do irmão, Estácio, mas com frieza por parte da tia, Dona Úrsula, irmã do Conselheiro Vale.
Dona Úrsula tenta manter-se distante da terna e da dedicada Helena, mas não consegue por muito tempo. Acaba nutrindo um amor maternal por sua sobrinha. Ao mesmo tempo, Estácio fica cada vez mais impressionado com Helena, e ela por ele. Ele passa por momentos de martírio ao dar-se conta de que o que sente por Helena vai além de uma afeição fraternal: ele se aflige por perceber que está apaixonado por sua suposta irmã, e Helena, também apaixonada, esconde algo que poderia mudar tudo, mas não está disposta a abrir mão do destino que lhe foi traçado.
Todos os personagens possuem uma face luminosa e um lado sombrio. Todos preferem a mentira à verdade, seja por razões pessoais ocultas ou por respeitar (ou temer) a sociedade da época. Ângela, a mãe de Helena, e o Conselheiro Vale, criam a menina apagando seu passado com uma mentira, e esperam que Helena perpetue essa farsa. Salvador, seu verdadeiro pai e vítima do abandono da esposa, Ângela, vive à mingua e apenas quer ver a filha com um futuro que ele jamais poderia propiciar, então aceita a condição de ver Helena como filha de Vale. A nova família, após a descoberta da verdadeira origem de Helena, decide manter a farsa, receosa com os rumores que a revelação poderia causar, mesmo sendo avessa a moral e a razão. Helena, de certa forma, foi vítima de todos, e a única saída que encontrou foi se despedir da vida de mentiras que lhe ofereceram.
Apesar de escrito na fase romântica de Machado de Assis, já se nota um toque de realismo, colocando a protagonista em constante conflito entre o que determina a razão e o que o coração anseia. Nesta obra, o autor já apresentava ao leitor temas que se tornariam marcas em outras obras: adultério, mentira, separação da sociedade em classes, casamento por conveniência. Outras características presentes no texto são a melancolia, a ironia e um grande ressalto aos traços fortes das personagens femininas, como a protagonista. Machado conduz os personagens de uma maneira excepcional e descortina a ambição, a abnegação e uma sociedade falida que prefere manter-se sobre um véu de mentiras a encarar a verdade.
Este é um dos romances mais lindos que já li! Mergulhei no universo machadiano e me apaixonei e sofri junto com os personagens. Quem se sente tocado pelo poder da narrativa do Machado de Assis vai entender que não tenho a menor intenção de ser neutra ao falar desse livro. Sem sombra de dúvida, eram as suas palavras a maior arma para criticar os costumes hipócritas da sociedade. Quanto mais eu lia, mais anestesiada me sentia. Fiquei fascinada, presa, revoltada, enciumada, triste, surpresa... Que personagens! Que narrativa! Que história! Fiquei fascinada com esse escritor desde que li Dom Casmurro há muitos anos, e continuo me encantando com seu poder literário. E mais uma vez, entendo porque as pessoas sempre exaltam Machado de Assis. Era um gênio, um mestre com as palavras.
HELENA É um romance, ao mesmo tempo, encantador e trágico. É uma batalha entre o amor e a honra, entre as vontades e aparências, entre escolhas difíceis e situações inevitáveis. Pode não estar entre os prediletos do escritor, mas, sem dúvida, está entre os meus.
Acredito que a melhor homenagem que podemos prestar aos grandes escritores da língua portuguesa é ler com devoção suas esplêndidas obras e encorajar, com rigor e paixão, que todos os brasileiros conheçam esse ilustre mestre das letras!