Michelle Trevisani 09/03/2016
Lindas linhas
Vermelho Amargo é um livro recheado de lirismo, quase uma poesia em linhas retas, com metáforas e metalinguagens, um livro não de continuações, mas de reticencias. Traz este livro um relato da própria infância do autor, vivida de forma dolorosa pela perda prematura da mãe, pela falta de amor e carinho presente no lar depois disto, do surgimento de uma madrasta e de como cada irmão num total de cinco viveu seus sentimentos em decorrência desta fato que nenhuma criança merece ter como sina. Cada qual lida de uma forma com a perda, e aos olhos da criança "Bartolomeu" tudo era muito difícil de digerir. Por várias vezes surge no livro a questão do tomate: o autor brinca muito com essa palavra. O que é o tomate? É a forma de retratar que a madrasta tanto o fazia que só o que se pode enxergar é isto nela e mais nada, que nada além de tomate poderia se esperar da madrasta, nem um tipo de carinho, amor, cumplicidade. Se a ideia do pai era arranjar uma substituta para a mãe que se fora, ele o fizera muito mal, segundo as entrelinhas do autor. O tomate pode ser também o percalço pelo qual a família passa, o sofrimento sempre ali presente, vermelho e maduro, alimento cansado de se apresentar à mesa todo dia, causava repulsa.
Fora esta reflexão o livro traz sentenças lindas, poéticas, de uma beleza fora do comum, como estas:
"Inventei-me mais inverdades para vencer o dia amanhecendo sob névoa. Preencher um dia é demasiadamente penoso, se não me ocupo de mentiras." (p.7)
"Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor. Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto é também de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se - em lágrimas - do paraíso, é condenar-se à liberdade." (p. 8)
"Sempre suspeitei o nascer como entrar num trem andando. Só que, o mundo, eu não sabia de onde vinha nem para onde ia. E, no meu vagão, não escolhi os companheiros para a viagem. Eram todos estranhos, severos, amargos, impostos. Também entrei sem comprar o bilhete de viagem. Minha bagagem, pequena, cabia debaixo do banco - da segunda classe - sem incomodar. Contrabandeava poucos pertences: uma grande dor que doía o corpo inteiro e a vontade de encontrar um remédio capaz de remediar o incômodo. Até hoje o mundo ainda não atracou. Vou sem escolher o destino."
Ler Vermelho Amargo foi uma grata surpresa. Um livro curto carregado de sentimento. Carregado de lindas linhas, de poesia, de dor, uma dor sofrida, que de tão sofrida vira amor.