Izabella.BaldoAno 29/02/2024
?será que Jaja tinha esquecido que nós não contávamos a ninguém, que havia tanto que nunca contávamos a ninguém??
através de uma narrativa extremamente delicada, a adolescente Kambili nos leva, em Hibisco Roxo, para adentrar o seio da sua família. é como se fôssemos sutilmente conhecendo e compreendendo as dinâmicas familiares na medida em que nos embrenhávamos pelos cômodos da casa, quase nós mesmos passando a fazer parte delas.
ambientada numa Nigéria marcada pelas violências do colonialismo britânico, a história da família de Kambili é fortemente impactada por muitas delas e, sobretudo, mais explicitamente, pela imposição do catolicismo enquanto norma cultural, enquanto via de salvação e de civilização. para Kambili e Jaja, seu irmão mais velho, tudo é ditado a partir de regras extremas através das quais eles supostamente poderiam atingir uma perfeição sobrehumana.
aos poucos, percebemos que as violências são experienciadas por Kambili, Jaja e outras personagens não somente através dos radicalismos impostos sobre seus comportamentos; para tal, é preciso não somente ouvir com cuidado, mas aceitar o convite que Kambili nos faz para que vejamos tudo com nossos próprios olhos. talvez esta seja uma das maiores potências deste livro: há muito que não pode ser dito e, por isso, é preciso que aceitemos o convite e, aos poucos, desvelemos nós mesmos as nuances da história.
na medida em que as cortinas se abrem, vamos descobrindo também diversas outras nuances. aqui tudo é delicado tanto quanto é denso e potente, e de maneira delicada nos é revelada a potência dos afetos, das descobertas, das sutis rebeldias. além de tudo, também temos a oportunidade de conhecer sob uma perspectiva cuidadosa a resistência do povo igbo diante da violência britânica, experimentar um pouco da sua culinária e, de diversas formas, viver, através das personagens, diferentes aspectos da sua rica cultura.
no fim das contas, acho muito difícil falar de Hibisco Roxo: este é um livro para experienciar. não atoa, uma vez que mergulhei nesta história, não consegui mais voltar à superfície até que tivesse absorvido tudo quanto fosse possível. e vez ou outra dou novamente um breve mergulho.