spoiler visualizarTracinhas 04/08/2016
por Juliana Arruda
Essa resenha vai ser um pouco longa, então espero que você entenda o meu motivo para dar spoilers. Desculpe, mas se você não leu o livro, eu só tenho uma coisa a dizer: vá ler agora, ou seja curioso o bastante para ler tudo o que eu vou escrever aqui.
A primeira coisa que notei quando fui pro skoob assim que eu terminei de ler essa história foi a quantidade de resenhas negativas. Sério. Depois que eu li, eu surtei e me senti inflar. E quando eu fui para o skoob, eu murchei. É impressionante a capacidade do meu favoritismo em ser do contra. Mas, bem, isso não vem ao caso agora. Vamos mostrar todos os fatos e eu vou argumentar de forma bem sincera sobre cada um deles.
A história do primeiro livro da Trilogia do Vencedor, A Maldição do Vencedor, nos mostra uma narrativa em terceira pessoa. Isso nos dá chance de não ficarmos presos a somente um ponto de vista — o que é ótimo, claro. Então nos deparamos com o ambiente em uma terra que foi colonizada, e que as pessoas que viviam lá, os herranis, se tornaram escravos.
Vamos lá, sejamos sinceros: já não basta ter suas terras tomadas, ter a sua liberdade também é um tanto demais, certo?
Errado.
Isso não é exatamente o que os valorianos pensam. O Império de Valória simplesmente decidiu tomar as terras de Herran porque achava que os herranis viviam se gabando demais sobre a riqueza de suas terras — e eles não podiam deixar. Veja bem, só por isso (e outras coisas mencionadas sutilmente), eles se acharam no direito de colonizar a terra dos outros. De qualquer maneira, o Império de Valória é conhecido por sua população conter uma beleza impressionante, por ser mentiroso e por amar a guerra. Eles são conquistadores, gostam de lutar, e como é de se esperar de um Imperador, ele só pensa em expandir ainda mais o seu território através de batalhas. Claro que ele também iria se aproveitar das riquezas daquela terra. Isso até seria tolerável, claro, se o tal imperador não escravizasse toda a população herrani também. Então é óbvio que muito ódio acaba sendo guardado ao longo dos anos pelos herranis. Mas você sabe que cada ódio contido pode gerar uma revolução, certo? Pois é. Então é assim que vemos o ambiente da história, embora eu não tenha entendido exatamente o ponto de certos leitores de não terem entendido o motivo pra invasão de Valória às terras de Herran. Inveja, riqueza (n motivos): foi dito numa das conversas da Kestrel com o pai — e não é necessário ficar o tempo todo repetindo.
Mas, bem, vamos agora falar dos personagens. Kestrel é uma garota valoriana e rica. Ela é filha do general do exército de Valória e só existem duas opções para ela ser vista de forma digna na sociedade: entrar para o exército e servir ao imperador, ou se casar com um cavalheiro valoriano e ter bebês. Sim, seria engraçado se não fosse tão… cansativo (?).
O caso é que a Kestrel não quer nenhuma das opções e quer fazer as suas próprias escolhas. Ela não é boa em luta, mas tem uma inteligência aguçada (o que faz com que as pessoas a considerem excêntrica, quando, na verdade, ela só não se faz de idiota). Por ter essa inteligência, ela é ótima em bolar estratégias e/ou utilizar argumentos que fariam qualquer pessoa se curvar aos seus pés. E ela não quer se casar com nenhum dos cavalheiros que a cortejam, porque, bem, vamos lá, ela não se casaria sem amor, certo? (Só em casos extremos). De qualquer maneira, ela tenta sempre se misturar na sociedade para não deixar o seu pai envergonhado — e mesmo com essas tentativas, ela sempre é motivo de fofoca.
Uma curiosidade sobre a nossa personagem é que ela sabe tocar piano. A música é a única coisa que ela realmente sabe que quer para a vida, mas é aquilo: valorianos têm escravos, por que perder tempo fazendo música quando se pode recebê-la? Eis a grande e petulante merda coisa dessa sociedade: os valorianos não fazem NADA. TUDO eles acham que devem receber porque são “superiores”, quando, na realidade, só se mostram serem pessoas esnobes e sem humildade alguma. Então para a sociedade, Kestrel está fazendo um papel idiota e está quebrando todas as formas de decoro – PRINCIPALMENTE quando ela toma partido de algum herrani.
Adendo: Uma coisa que notei quanto à sociedade valoriana e seus costumes é que ela é quase equivalente à sociedade londrina na época vitoriana. Claro que se têm algumas diferenças e uma delas é que a mulher pode entrar pro exército e comandar a porra toda tudo se ela se mostrar capaz. Na sociedade londrina a gente não vê isso. Bem, não nessa época.
Kestrel foi criada e amamentada por uma herrani quando sua mãe morreu, então ela sente empatia por essa pessoas, porque elas são pessoas e merecem um tanto de gratidão e respeito por tudo o que fazem pelos valorianos, certo? Então essa é a nossa mocinha: ela é inteligente, mas não sabe lutar. Ela é corajosa, mas tem receio de encarar o pai com seus sonhos e desejos. Ela defende os herranis, mas de forma sutil. Ela vai para bailes, fofoca com os amigos, tenta se misturar na sociedade, mas não se importa com nada disso. Ela sequer gosta de fazer compras, minha gente, então, qual o motivo de chamá-la de Patricinha de Beverly Hills?
Kestrel é uma garota que gosta de desafios, logo, ela praticamente não se curva àquilo que ela acha errado. E é exatamente isso o que acontece quando ela acaba parando no meio de um leilão de escravos herranis. Ela não podia deixar que aquele rapaz fosse maltratado e humilhado na frente de todos. Ela precisava livrá-lo daquilo, mesmo que lhe custasse mais do que todos estavam dispostos a pagar.
Vamos aos fatos: é muito impressionante ter essa “pompa”. Primeiro você chega e invade a terra dos outros pra colonizar, torna os habitantes daquela terra em escravos, e ainda fica calculado o preço de uma vida como se aquelas pessoas fossem mercadorias… bem, é o cúmulo da falta de bom senso. Kestrel não é idiota e sabe de tudo isso — TODOS sabem muito bem disso, mas se deixam levar pela coisa de sempre: a falsa moralidade, o preconceito, as injustiças…
Por um momento Kestrel se vê da mesma forma que aquele escravo: encurralado, mas sem dar chance de ceder. Ela só tem duas opções para viver em sociedade, e ela se nega a fazer parte de qualquer uma delas — assim como o escravo, que só tem opção de ser escravo e obedecer. E é exatamente por isso que ela o compra: para ficar sob os seus cuidados e não sofrer mais (ou, pelo menos, não tanto).
Adendo: Vi comentários sobre a autora ter “furado” a história com esse leilão. “É impossível querer leiloar o Arin antes da chegada da Kestrel ao leilão e blá-blá-blá. Se Arin já estava no palco, como ele ia saber que a Kestrel ia estar lá?” O caso é que o Arin aparece logo após a chegada da Kestrel para ser leiloado. Beijos!
"A multidão tinha congelado atrás delas, barulhenta, numa ansiedade inquieta. Haveria um leilão em breve.
(…)
– Ah. Finalmente – comentou uma mulher com o queixo pontudo ao lado de Kestrel. Os olhos dela se estreitaram na direção do fosso e do homem atarracado caminhando para o centro. Ele era um herrani, com seu típico cabelo preto, mas sua pele pálida indicava uma vida fácil, sem dúvida graças a algum favoritismo que lhe garantira aquele trabalho. Era alguém que havia aprendido como agradar seus conquistadores valorianos.
O leiloeiro parou diante do palco.
(…)
Ele fez um sinal em direção à estrutura aberta, ainda coberta e sombreada. Ela era baixa e pequena no fundo do fosso. Ele fez sinal com os dedos uma, duas vezes, e algo se agitou no redil. Um jovem saiu."
Arin é um escravo que já foi ferreiro — e como é de se esperar de todos os mocinhos, ele é muito bonito. Na verdade, ele é tão gostoso que até agora eu estou tentando achar um ator que faça jus a essa beldade (e o único que me pareceu um tanto plausível foi o Ian Somerhalder). *risos* Como todo o ferreiro, ele recebeu o nome de Smith e seu nome verdadeiro foi esquecido para o povo — não para ele, claro.
Por se mostrar um escravo displicente e indomável, ele sempre é deixado de lado pelos valorianos durante o leilão; mas isso não acontece quando Kestrel o vê — e ele fica até um tanto surpreso por isso. Entretanto, não se engane com o Arin. Ele não vai se apaixonar perdidamente pela nossa mocinha de cara. Ele odeia todos os valorianos, inclusive, a garota que o comprou. Então quando ele é posto para trabalhar, ele até tenta se mostrar competente, mas só para conseguir uma coisa: ver a sua suposta namorada.
Adendo: Eu esperava que o termo “namorada” não existisse nesse tempo, mas possa ser que eu esteja errada. De qualquer maneira, ainda acho que a palavra “prometida” ou “amada” faria mais sentido no contexto da história.
Quando Kestrel torna o Arin o seu acompanhante — já que ela não pode colocar os pés na rua sem alguém do seu lado —, ela o pede para que seja sincero com tudo o que ela perguntar. (Ao contrário do que se espera, Kestrel quer um amigo, não um escravo) E ele promete em fazê-lo, desde que ela o deixe sair uma vez ou outra para ver a sua “namorada”.
Com o passar do tempo Arin começa a perceber que Kestrel é uma garota diferente e não como ele sempre acreditou. E isso, claro, pode acabar com o seu verdadeiro plano de se estar na casa do general: de finalmente se vingar e conquistar sua terra novamente.
Vi muitas pessoas comentarem a respeito de que a Kestrel só vivia indo à: piqueniques, compras, casa da melhor amiga pra fofocar e que ela não fazia NADA além disso. Vamos apontar os fatos: ela tem aulas de luta, mas só uma vez por semana. Ela gosta de ler — e faz isso muito bem. Adora tocar piano, mas só faz quando o seu pai não está em casa. Ela tem empregados e escravos o tempo todo lhe cercando, então, me diga: o que ela vai fazer?
Confesso que no começo, para algumas pessoas, boa parte das coisas pode ficar a desejar, mas quem leu, se analisar, todos os pontos foram necessários para que a história conseguisse se fechar no final — inclusive, as próprias fofocas. Essas saídas da Kestrel também foram necessárias para que trouxesse uma proximidade maior entre ela e o escravo — embora eu ainda ache que poderia ter sido explorado bem melhor o romance dos dois.
A coisa só começa realmente a ficar emocionante quando em um baile, Arin é pego em flagrante em uma biblioteca quando ele deveria estar na cozinha. Claro que o dono da casa diz que ele iria roubar alguma coisa, mas Kestrel sabe que Arin não é nenhum ladrão e descobre que aquela casa onde estavam mediando o baile era a antiga casa dele. Que pessoa conseguiria ficar na cozinha quando se poderia relembrar das coisas de quando tudo era bom e civilizado? Ela claramente fica do lado dele.
Então o dono da casa diz que vai castigá-lo por tocar em algo que é da sua propriedade, mas Kestrel defende Arin e diz que ele também é sua propriedade e não quer danos. Percebendo que o dono da casa não iria ceder aos seus argumentos, Kestrel acaba chamando-o para lutar, mesmo sabendo que ela sequer tinha alguma chance. Ela estava protegendo o seu amigo, ela estava fazendo o que era certo.
Só depois desse acontecimento é que Arin passa a confiar na Kestrel e, embora ele ainda se mostre muito fechado para o próprio leitor, nós podemos perceber que a opinião/sentimento dele começa a mudar a respeito de tudo o que envolve a personalidade daquela garota. A partir desse momento, percebemos que eles já estão apaixonados um pelo outro — mesmo sabendo da grande causa que os separa.
Quando a rebelião vem à tona e Kestrel percebe que tudo foi culpa do Arin, percebi que esse foi o estopim dos mimimis de leitores a respeito do que ela iria ou devia fazer a julgar pela personalidade da personagem. Mas vamos novamente aos fatos: Kestrel agora é uma prisioneira e ela sabe que não tem coragem de matar uma pessoa. Ela não sabe lutar, mas é inteligente. Ela poderia bolar planos para fugir, mas ela não é boa nisso também. Digo, em fugir. Ela pode ter um plano brilhante, mas ela não sabe como escapar sem levantar a bandeira em neon e dizer: estou bem aqui.
Mas, Julis, se ela é inteligente, ela vai saber como escapar, mesmo mostrando a bandeira em neon.
Sim, confesso que isso pode acontecer sim, mas quando? O mínimo que ela poderia fazer é esperar pela volta do exército valoriano. Mas para onde ela iria? Os herranis tomaram conta de tudo, e ela claramente iria ser descoberta, presa e estuprada (não nessa ordem, necessariamente). Pelo menos com o Arin ela estava, supostamente, segura.
Então deixa eu explicar melhor pra você no contexto em geral: Ela é estrategista sim. Ela sabe como manipular sim (não o Arin, porque ele a conhece o suficiente). Mas uma coisa ela não pode mudar: os herranis estão certos em revidar. Então por que ela deve continuar a fazer o que a sociedade valoriana espera dela? Por que ela deve tentar revidar a rebelião? Só porque ela é filha do general? Ela claramente está dividida entre o seu povo valoriano e o herrani. Ambos estão lutando por motivos que acham nobres. Então ela claramente não está se esquivando para livrar a sua pele das coisas. Ela só está indecisa — até que o final mostra, tecnicamente, de que lado ela está.
É por esses motivos que eu gostei da história. Tudo faz parte de um quebra-cabeça que se encaixa muito bem — inclusive, sobre as personalidades dos próprios personagens. A única coisa que não entendi de todo o livro foi caracterizá-lo como fantasia quando, claramente, a história sequer passa esse conceito.
Estou louca para saber o que vai acontecer e espero que a autora não me decepcione. Se tem uma coisa que tenho na ponta dos dedos é a maldição do segundo livro: TODOS eles sempre me parecem cansativos e chatos.
Mas, bem, deixo aqui o Ian Somerhalder só por causa do Arin.
site: http://jatracei.com/post/148283642707/resenha-197-a-maldi%C3%A7%C3%A3o-do-vencedor