João 13/01/2017
QUE LIVRO. QUE MULHER. SOS.
Quando mais novo, me lembro que se aproximava do aniversário da minha mãe, e estávamos todos reunidos na sala em volta da TV, quando vemos uma chamada de um CD com as mais famosas músicas de uma cantora que minha mãe dizia que adorava, logo, como eu devia ter meus dez anos de idade e quase nada de dinheiro, fui até uma loja de discos com meu pai e compramos para ela o CD "Rita Lee: Perfil", e o resultado foi o seguinte: onde quer que a gente fosse, ela tinha que colocar o CD no carro para tocar,e hoje em dia, eu com meu carro, o CD é um must have. Antes mesmo de começar a dirigir, coloco "Bwana" e só depois giro a chave. Rita Lee me embalou na infância, e ela acaba de lançar uma autobiografia que fez eu me apaixonar por essa mulher mais ainda.
Rita, filha de um americano e uma italiana, é a mais nova das filhas e viviam num casarão dos anos 20, na rua Joaquim Távora, 670, na Vila Mariana, que a própria Rita chama de harém, afinal, um único homem rodeado de mulheres. Fala de sua infância como se tivesse vivido tudo ontem mesmo, com uma clareza nos fatos que faz com que a gente se sinta como se estivessemos sentados com a própria, num café, trocando uma ideia, super de boa.
Um dos fatos relatados em sua autobiografia que mais gosto é quando somos apresentado à Debora, a pata que Virgínia, irmã da Rita, ganha de Chesa, mãe das duas:
"Manhã, tão bonita manhã... e eis que Chesa compra na feira uma patinha amarelinha e dá de presente à Virgínia, que a batiza de Debora, coisinha mais fofa da casa, paparicada por todos enquanto crescia a olhos vistos. Durou um ano. Num domingo de Páscoa, as mulheres voltaram da missa e... Cadê Debora? "Ó céus, os gatos atacaram!" Antes tivessem. Lá estava o hárem reunido na mesa do almoço, todos os anos preparado por meu pai, quando entra o Charles, triunfante, carregando Debora depenada e tostadinha numa forma cercada de batatas, maçãs e farofa. Gritaria e debandada geral, o carrasco comeu sozinho sua vítima. Esta é da série "como fazer da Páscoa um enterro histérico e o pacto de nunca comer pato até o fim da eternidade"." - Trauma, pg 11.
Rita nos conta toda a trajetória desde a infância, passando pelos Mutantes, Tutti-Frutti, até chegar na carreira solo, com sucessos atrás de sucessos, como os mais famosos "Ovelha Negra", "Lança-Perfume", "Amor e Sexo", até "Reza", o mais atual, lançado em 2013.
E indo muito além da música, conhecemos um outro lado da cantora, nunca visto anteriormente, como os relatos inéditos da época em que fora presa, das amizades que fizera ao longo da vida, principalmente com Elis, e de Roberto, sua grande paixão, pai de seus três filhos: Roberto Lee (ariano), João Lee (canceriano) e Antonio Lee (leonino).
"Alguma coisa acontecia no meu coração, corpo e alma, fazendo com que me sentisse a mais santa das criaturas e la mais caliente de las mujeres. De bandeira sex, drugs and rock n'roll, sobrou apenas sex and rock n'roll. Entrei numa fase inédita na vida e disse bem alto para quem quisesse ouvir: "Afasta de mim esse cálice." Não precisava de nenhum extra para me sentir viva e confortável dentro do corpo, eu me sentia plena." - Rita sobre Roberto, Namorandinho, pg 146.
Rita, a grande defensora dos animais e sempre anos adiantada à sua época, nos presenteia com essa grande obra, e sem papas na língua. Fala o que tem que falar, e encerra de forma linda e emocionante sua obra, composta de fotografias de seu acervo pessoal e no final, lista todos os álbuns lançados e as músicas de cada um. Um livro, com certeza, que todo fã deve ler, e todos que não a conhecem, mas tem uma imagem equivocada da cantora, devem ler também. Rita é mãe, avó, mulher, e nos encanta até hoje com sua arte e talento.
"Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão "Ovelha Negra", as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: "Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkk". Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando minha autoharp e cantando para Deus: "Thank you Lord, finally sedated"." Profecia - pg 266.
O livro foi lançado pela editora Globo Livros, e já está disponível para comprar nas melhores livrarias e também pela internet.
"Numa autobiografia que se preze, contar o coté podrêra de próprio punho é coisa de quem, como eu, não se importa de perder o que resta de sua pouca reputação. Se eu quisesse babação de ovo, bastava contratar um ghost-writer para escrever uma autorizada".
Rita Lee, eu te amo! (sei que não irá ler essa resenha, mas se um dia por algum milagre ela chegue aos seus olhos, gostaria que ficasse sabendo disso).
site: https://prazerjoao.wordpress.com