spoiler visualizarCarla Verçoza 27/09/2020
Gostei, de modo geral, mas achei que podia ser mais. Terminei com aquela sensação de que faltava um algo a mais.
Aclamado como uma das grandes vozes atuais da literatura argentina, o autor escreve de forma leve, porém algumas vezes me pareceu um pouco pobre. Tem bons momentos, consegue trazer algumas reflexões, é super contemporâneo, com elementos presentes no cotidiano (celulares, whatsapp).
Se aproxima da autoficção, algo que vem se tornando popular já há algum tempo, mas creio que está saturando um pouco. Talvez esteja sendo usado como um caminho mais fácil para criar uma história, já que boa parte do personagem já vem pronto, sendo baseado no próprio autor. O escritor e seus problemas, dilemas, aventuras. Só dar uma romanceada na própria vida.
Claro que é possível fazer isso com maestria e criar livros ótimos, mas não creio que é o caso.
O livro é bom, fácil (até demais) de se ler, bem humorado, com uma linguagem tranquila. Não há muito pedantismo, como se costuma ver em histórias com escritores, cheios de citações e demonstrações da intelectualidade em cada parágrafo. Bem curtinho, li em um fim de semana.
O autor narra o livro como se estivesse fazendo uma confissão para a esposa. Se passa durante 17 horas, entre Buenos Aires e Montevidéu. Um ponto que achei positivo foi a forma como o autor transita entre os acontecimentos do presente e passado, que aparecem misturados em um mesmo capítulo, achei que foi feito com maestria e deixou a leitura bem interessante.
O enredo aparentemente simples, o escritor contando (se gabando?) de seus casos amorosos enquanto realiza uma viagem para o Uruguai para buscar alguns dólares de um pagamento que recebeu, evitando assim pagar alguns impostos se recebesse direto na Argentina (que estava enfrentando crise econômica).
O narrador é um homem de 40 e poucos anos, com dificuldade de encarar a vida adulta, mimado, reclamando da vida doméstica e responsabilidades que não quer assumir, como o filho que atrapalha, as contas, a monogamia, reclama que a mulher não age como ele quer e provavelmente tem um amante, já que não lhe dá mais atenção...
Viaja para eventos de literatura, conhece uma garota uns 20 anos mais nova (clássico do homem em crise de meia idade), linda, descolada, que lhe mostra alguns pontos da cidade e passam o dia juntos. Eles marcam de se reencontrar quando ele volta à Montevidéu para retirar os dólares.
O escritor em muitos momentos enquanto conta a história se perde em pensamentos e considerações. Alguns temas que o autor quis trabalhar são relacionamentos, fidelidade, realização pessoal. Um trecho que destaquei:
“Essa coisa siamesa dos casais sempre me aterroriza: mesma opinião, mesmo prato, porre em dupla, como se os dois tivessem a mesma circulação sanguínea. Deve haver um resultado químico de nivelação, depois de anos mantendo essa coreografia constante. Mesmo lugar, mesmas rotinas, mesma alimentação, vida sexual simultânea, estímulos idênticos... temperatura, nível econômico, temores, incentivos, passeios, projetos – tudo coincidente (...) Que monstro bicéfalo vai se criando assim? Você fica simétrico ao outro, os metabolismos se sincronizam, é um funcionamento espelhado; um ser binário com um único desejo. E o filho chega para envolver esse abraço e soldá-los com um laço eterno. A ideia em si é pura asfixia.”
Durante o livro o autor foi se mostrando tanto para o leitor através dessa “confissão” para a esposa. Ele reclama da asfixia do relacionamento, da falta de tempo para escrever e se dedicar aos prazeres, da rotina sexual, das exigências da paternidade, da mulher que não é mais a mesma com ele. Reclamou bastante dos outros, enquanto vive sustentado pela mulher, pegando dinheiro emprestado do irmão, para poder se dedicar à escrita. Chegando mais para o fim, quando ele conta que descobriu que a mulher estava sim o traindo, começa a despejar as suas próprias infidelidades, além do caso com a uruguaia, outro com alguma aluna, etc. ... Bem, nunca se assumiu como adulto e tampouco como um parceiro honesto, um típico machista, passa o livro se fazendo de vítima sofrida por não ter a vida que acha que merece.
Por fim acho que fica a ideia de que é necessário um esforço e renunciarmos a certo comodismo para buscarmos alguma realização na vida. Também pode ser que essa realização nem venha.
Foi interessante conhecer a escrita desse tão aclamado argentino, porém prefiro nossos autores brasileiros contemporâneos!