Manuela do Prado 26/08/2021"Seja esperta como a serpente, mas inofensiva como a pomba"Dona de uma história de vida marcada por dificuldades, pequenos milagres e, como a própria Buchi diz, empecilhos advindos da "psicologia do seu povo", Cidadã de Segunda Classe é um livro de teor autobiográfico, contudo as vivências da autora ganham voz através da personagem Adah.
Vítima de uma cultura que a despreza simplesmente pela condição do seu sexo, Adah tem ainda a infância marcada pela perca precoce dos seus pais, falta de amor e pela marginalização. A fim de se livrar das garras dos únicos parentes que lhe restam, mas que, porém, lhe dão um tratamento subumano, a nossa protagonista casa-se muito cedo, contudo o que inicialmente parecia ser uma espécie de fuga, acaba por se configurar apenas como uma troca dos grilhões machistas aos quais Adah já estivera presa toda uma vida.
Escolarizada a duras penas e inebriada pela possibilidade de uma liberdade propriamente dita, Adah se traveste de meios para se mudar para Inglaterra, local que, no período, era sinônimo de oportunidades e mudança de vida para muito nigerianos. Ao chegar na Europa, Adah se depara com muitas dificuldades, algumas já previstas por nós, enquanto leitores, como o racismo, por outro lado Emecheta nos coloca contra a parede aos nos conduzir ao relato de uma emigrante negra que, chegando num país europeu, encontra muito mais descriminação pelos seus próprios conterrâneos que pelos caucasianos nativos.
A força de Adah para assegurar um futuro com boas perspectivas para os filhos numa cidade sem amigos e precária, ou mesmo inexiste, rede de apoio, sua sensibilidade e empatia para com os outros, assim como sua fé na cura de um casamento violento (sexual, psicológico e fisicamente falando) nos põe frente sentimentos de inspiração, tristeza, angústia e, em alguns momentos, também felicidade.
A mistura da perspectiva genial de Adah sobre o comportamento humano e a graciosidade da escrita de Emecheta fazem com que este livro seja para todos. Embora tenha falecido em 2017, a história de Buchi nos conduz àquela sensação de torcida pelo sucesso de alguém muito querido.
Recomendo demais este livro e mal vejo a hora de ler outras obras desta autora.
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