Toni 12/11/2019
É preciso prestar atenção redobrada em narrativas que se passam quase inteiramente no interior de trens, navios, aviões, ônibus etc (meios de transporte em movimento, vocês entenderam). Como uma espécie de inversão da lógica arquetípica da “jornada do herói”, os protagonistas dessas narrativas encontram-se como que suspensos, ainda que saibamos que estejam se dirigindo a algum destino. Desprovidas de qualquer poder sobre o trajeto, as personagens se põem a pensar sobre o futuro que as aguarda, a observar a paisagem, a lembrar da trajetória que as trouxe até ali, a conversar com os companheiros de viagem. Não raro, a “trégua” representada pelo deslocamento se transforma em oportunidade para uma mirada interior. 📖
É nesse processo de olhar para dentro de si que a ficção opera sua mágica. Mais que qualquer outro tema ficcional, narrativas de viagem são a manifestação literal daquela velha máxima existencialista: o trajeto é sempre mais importante que o destino. No entanto, quando nem o trajeto nem o destino foram decididos por quem empreende a jornada, como é possível romper com os mecanismos inexoráveis do tempo e das estruturas coercitivas (família, trabalho, religião)? Este “conto rejeitado” de Sylvia Plath, escrito aos 20 anos, tem uma viagem de trem como lugar simbólico da pergunta acima, alegoricamente urdida em detalhes às vezes sutis, às vezes escancaradamente didáticos. 📖
Como toda fábula, o texto de Plath comporta várias leituras, da análise mórbida à interpretação libertária, e deve ser um verdadeiro prazer trabalhá-lo em sala de aula. Não fosse um livrinho de bolso com preço tão salgado (capa dura, 48 p., sem gravuras), seria daqueles que eu sairia distribuindo para sobrinhos, alunos e outros mundos de afeto, para lembrar a todas e todos que não há lição mais importante do que criar nosso próprio caminho. .
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