spoiler visualizarLuiza 20/05/2019
É a primeira peça de Shakespeare que eu já li e tive muitas dúvidas quanto à intenção do autor com a história. Afinal, a “megera” foi domada ou não? O livro defende uma visão machista sobre as mulheres na sociedade ou faz uma crítica a tal visão através da ironia? É claro que é preciso levar em conta o período histórico em que a peça foi escrita, pois no Século XVI o papel da mulher na sociedade era ainda de submissão ao marido ou ao pai. Feita a ressalva quanto ao contexto social em que a história foi escrita, chamo atenção para uma análise que pude fazer lendo o livro sob a perspectiva do século XXI: a construção do relacionamento entre Petruchio e Catarina evidencia a dinâmica do que hoje seria chamado de um relacionamento abusivo. Tive essa ideia muito forte comigo enquanto lia o texto, pois considero que as técnicas empregadas por Petruchio para “domar a megera” são muito similares às utilizadas pelos abusadores para moldar o comportamento da vítima e mantê-la dentro do relacionamento. É claro que tais práticas eram vistas como normais para a época em que a mulher tinha que obedecer ao homem, mas para mim foi impossível não fazer a conexão. Veja: a “vítima” (Catarina) era uma mulher carente de amor, que se sentia preterida pelo pai e tinha inveja da irmã mais nova, e que era insultada por todos os personagens, sem exceção, aos quais reagia com agressividade. Para “domá-la” e conseguir o dote pelo casamento, Petruchio é controlador com as decisões Catarina desde a primeira conversa; afasta a esposa das outras pessoas na primeira oportunidade, quando decide ir embora de Pádua imediatamente após a cerimônia de casamento sem nem atender ao banquete preparado para os noivos; usa de tortura psicológica e chantagem, com privação de sono e comida; e, por fim, ainda usa de “Gaslighting” com a esposa, ilustrada pela cena em que ele testa Catarina chamando Sol de Lua e o velho Venâncio de mulher, na estrada retornando para Pádua. Entretanto, Catarina não parecia em nenhum momento estar de fato sucumbindo emocionalmente à Petruchio, mas somente fingindo ceder às suas cismas como forma de autopreservação, razão pela qual o seu discurso final defendendo a posição submissa da mulher pareceu tão surpreendente e me deixou com dúvidas se, de fato, o intuito do livro era defender tal discurso ou criticá-lo com a descaracterização drástica da “megera”. Além disso, observei também que os personagens homens também não foram descritos sob uma luz tão favorável, sendo Petruchio - o “domador” - um bruto violento e interesseiro, embora esperto e charmoso. Em busca de respostas, pude encontrar análises e resenhas no google tanto de um lado quanto de outro. Por essa razão, pretendo ler outras obras de Shakespeare e, mais amadurecida, revisitar “A Megera Domada” para tirar uma conclusão mais concreta em particular sobre o final de Catarina. Ademais, a peça é um atestado do talento do dramaturgo, cuja comédia escrita no Século XVI continua engraçada no Século XXI, mesmo com todas as mudanças sociais e linguísticas. As partes que achei mais engraçadas foram os bate-bocas entre Petruchio e Catarina, inclusive a parte do jogo do Sol e da Lua, e as confusões dos diversos personagens trocando de lugar uns com os outros. Por fim, fiquei sem entender também a função da introdução com o nobre e Sly, que monta a história de uma peça dentro da peça. [Livro lido entre 21 de abril e 02 de maio de 2019]