Higor 15/10/2023
"LENDO NOBEL": sobre contextos antes inverossímeis, mas hoje coerentes
Depois de uma primeira experiência nada boa com José Saramago em 2018 ao ler "Caim", eu posterguei ao máximo um retorno, e, sem muita convicção, optei por seu popular e aparentemente unânime "Ensaio sobre a cegueira".
Primeiro, sejamos sinceros: falar de Saramago é um tanto batido, pois todos conhecem tanto sua obra, quanto o autor e suas convicções, sejam elas políticas, religiosas ou artísticas, então, de maneira sucinta, minhas resenhas poderão ser um tanto redundantes.
"Ensaio sobre a cegueira" se tornou uma leitura muito mais possível, desconcertante e real, pois aborda uma pandemia, algo antes impensado em pleno século 21, mas que, ao conviver com nosso próprio problema sanitário poucos anos atrás, a possibilidade de encarar novamente algo do tipo é assustador, logo, muito do que é tratado no livro, como o novo modo de viver, a selvageria e a falta de humanidade não são tão irreais ou forçados na narrativa, se comparado com o que vivemos e lemos nos jornais da época.
Saramago foi muito sincero ao narrar que, em meio a guerra, os mais fortes de fato são os que sobrevivem, e quando atingem um novo patamar de sobrevivência, seja ele inferior ao que as pessoas viviam, os novos hábitos, responsabilidades, sensos de justiça e de bem-estar social também se inferiorizam para atender às novas necessidades.
Além disso, foi um tanto curioso, e a peça chave do livro, acompanhar a história pelo prisma de uma pessoa que enxerga em meio a um mundo de cegos, onde o que, em um primeiro momento, auxilia os demais, acaba por se tornar um fardo, quase que uma maldição. Passa-se a ser, então, na verdade, o erradio do mundo, como se, ao invés de todo o mundo estar doente, eles foram curados de um problema, e essa única pessoa que enxerga, se torna, na verdade, a doente.
Objetivo, reflexivo e sincero, Saramago enfim me conquistou e, principalmente, convenceu com "Ensaio sobre a cegueira". Uma história de panorama ou possibilidade das mais impossíveis ou fictícias, mas que, de repente, se torna amarga a boca e agonizante ao pensamento.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".