otxjunior 25/03/2021As Sete Mortes de Evelyn Hardcastle, Stuart TurtonEm algumas cenas de As Sete Mortes de Evelyn Hardcastle, do estreante Stuart Turton, personagens aparecem jogando xadrez. Como uma peça no tabuleiro do jogo (8 por 8), o protagonista precisa solucionar o mistério da(s) morte(s) do título que envolve viagens no tempo e mudanças de corpos em oito dias e na pele de oito pessoas diferentes, os hospedeiros. Ler o romance também foi como jogar com o autor, mas na versão 3D e aprendendo as regras no decorrer da partida. Portanto os dois primeiros atos (porque a alusão a uma encenação teatral também cabe, não por acaso parte da ação se passa em um baile de máscaras) representam verdadeiro desafio, até mesmo para o leitor do gênero. São muitas as informações, regras, eventos, lugares, personagens, tudo isso debaixo de uma chuva incansável. Enfim, é fácil se perder. Chega a ser cansativo com seu estilo peculiar e ambíguo e ritmo complicado por muito tempo. Mas o leitor mais paciente será recompensado com um final eletrizante e cheio de respostas para perguntas que esqueceu que tinha feito ou que nunca pensou em perguntar. É essa a escala do mundo complexo criado pelo autor, cuja ambição preciso aplaudir.
Depois de ser apresentado ao conceito de explodir a mente, o romance perde fôlego à medida que o protagonista encarna em personagens não muito interessantes. Inclusive me incomodou o comportamento grupal das pessoas inomináveis com quem ele entra em contato em muitas situações. Como, por exemplo, damas bebendo no solário ou cavalheiros numa caçada lá fora. Careceram personalidades para me fazer importar, o que só aumenta o clima artificial de pantomima da trama. Tive que esperar sete dias para torcer por alguém, provando que o inferno são realmente os outros: infanticidas, estupradores, corruptos, chantagistas e outros/muitos agressores! Mas Turton equilibra isso com seu humor excêntrico, flertando com o absurdo. É o livro com mais construções bizarras se tiradas do contexto, em que entendê-las se mostra o principal apelo da jornada. E é verdadeiramente uma jornada quando você é levado de Westworld a Caverna do Dragão dentro de seu arsenal de cultura pop no sentido de fazer um sentido disto tudo. Na seção de agradecimentos o diretor David Lynch é citado, mas confesso que desde muito cedo imaginei uma adaptação cinematográfica, para o bem ou para o mal, por Christopher Nolan.
Por fim, ainda possibilitando reflexões, mesmo que em nível superficial, sobre recuperação e expiação de criminosos hediondos e diferentes amores fraternais, não posso dizer que a leitura me deixou indiferente. Em sua originalidade e criatividade ou no tom gótico e estrutura boneca russa, o enredo envolve de maneira que ao final me senti como dentro de um hospedeiro atormentado com as repercussões de cada lance deste jogo infernal. Levei xeque-mate!