Gisele @abducaoliteraria 02/01/2021E se eu te disser que Os Segredos que Guardamos é um livro sobre outro livro? Que se trata de um romance histórico sobre uma operação secreta para lançar um livro proibido? Não há nada melhor do que se jogar numa leitura sem saber absolutamente nada sobre ela, assim cada página vira uma surpresa. E que surpresa! O prefácio cumpre o seu papel de impactar, ele me deixou muito empolgada para descobrir os mistérios que estavam por vir, os segredos que as datilógrafas da agência guardavam para si.
A história é ambientada no período da Guerra Fria e temos pontos de vistas que se passam nos dois polos que protagonizavam essa guerra ideológica, ocidente e oriente. No ocidente, acompanhamos o cotidiano de algumas datilógrafas que trabalham na Agência de Inteligência Americana. No oriente, temos a visão de Olga, musa inspiradora de Boris Pasternak.
Neste contexto, temos um romance inspirado na real missão Jivago. Um dos principais trabalhos da Agência era contrabandear livros para a União Soviética que iam contra a ideologia do Estado, como 1984 e A Revolução dos Bichos. Quando souberam da possível censura de Doutor Jivago, que foi proibido por ser considerado antissoviético, o livro de Pasternak virou uma grande aposta da Agência. Entretanto, era preciso traçar um plano muito estratégico e bem-feito, porque primeiro o manuscrito precisaria sair da URSS, ser publicado fora do país e depois ser contrabandeado para lá.
Uma das coisas mais interessantes a se fazer durante a leitura de um romance histórico é acompanhar a costura que a autora faz entre os eventos reais e as pessoas que realmente existiram, preenchendo as lacunas com a ficção. A minha principal surpresa foi saber que eu não tinha conhecimento de todos essa trama envolvendo Doutor Jivago, um livro no qual ainda não li, mas a história cumpriu o seu papel de despertar o meu interesse com relação a ele.
Quando se trata de uma história romanceada que retrata uma guerra política e ideológica, não podemos levar tudo a ferro e fogo. Antes de tudo, é preciso lembrar que este é um romance escrito por uma autora estadunidense, que possui sua própria visão política. Eu sabia que tinha que ficar com os olhos bem atentos em relação às críticas que a autora fazia, porque sabemos que não existiu lado certo e errado nessa história, e sim dois lados com erros e acertos, às vezes um mais do que o outro.
Há inúmeras críticas contra o totalitarismo de Stalin e os abusos que ele cometeu durante sua estada no poder, abusos que até mesmo Olga sofreu durante anos, quando foi mandada ao gulag como presa política. Por outro lado, também identifiquei críticas realizadas à própria Agência. O fator mais gratificante foi visualizar o poder da literatura dentro de uma guerra de ideais, o quanto um livro é importante e pode ser visto como um elemento de transformação.
O livro surpreende também na construção de um romance LGBTQ+ no qual eu não esperava, porque o livro não é vendido por isso. Particularmente, estou me tornando cada vez mais fã de livros que incluem diversidade em sua narrativa de forma natural, exatamente como deveria ser e sem que ela se torne o foco da trama.
A história é vendida destacando a força feminina dentro dessa missão, mas senti um pouco de falta da união entre elas, de vê-las tramando juntas, ambas se fortalecendo. Além disso, em determinados pontos da história, enxergamos ela através da perspectiva de personagens masculinos, enquanto eu senti falta da visão de outras personagens mulheres. Acredito que estas sejam as minhas principais ressalvas com relação ao livro.
As respostas para os mistérios foram substituídas pela necessidade de conferir Doutor Jivago, e com certeza depois de conferi-lo vou querer revisitar essa história também. Além de gostar de histórias sobre livros, gostei ainda mais de visualizar o poder da leitura, sem contar o fato de se tratar de uma história com bases reais. Se você é fã de Doutor Jivago, ou simplesmente fã de livros, como eu, tenho certeza que também vai curtir muito essa história.
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