Ana Paula 20/04/2021
Quincas Borba: o filósofo e o cachorro
Dizer que o Machado é genial, é redundância. Sua literatura é profunda, cheia de camadas, deliciosamente irônica, intrigante, divertida e comovente. Machado de Assis merece toda fama que tem, e merecia ainda mais, um verdadeiro mestre das letras. Depois desta introdução inflada de fã, revelo que, de romance, Quincas Borba foi o 2º que li do autor, tendo lido previamente Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual inclusive o Quincas Borba, o filósofo, dá o ar da graça.
Quincas Borba trata-se de uma obra escrita no tradicional formato de folhetim, portanto, seus capítulos são curtos, dinâmicos e o roteiro se assemelha a uma novela das seis. Não tem como largar. Diferente de Brás Cubas, temos aqui, um narrador onisciente, que de forma brilhante nos conduz na trama. Este narrador atrevido e provocador, constantemente nos chama a atenção, “querida leitora”, e conversa conosco, sempre dando a sensação de que, se materializado, estaria nos olhando de lado com um sorrisinho torto de deboche. Quanto aos personagens, muito bem construídos, mesmo aqueles que pouco aparecem, nos trazem sentimentos ambivalentes. Um, porém, tem em si todo o suprassumo da bondade, e não poderia ser diferente, é ele: Quincas Borba, o cachorro.
Para aqueles que nunca leram Machado, faça este favor a si mesmo. Você encontrará nestas páginas muita ironia fina, um retrato de uma época em seu cotidiano, os costumes, os valores, mas, também encontrará um estudo da alma humana, nossos desejos, ambições e contradições. As críticas são duras, ácidas e nada ultrapassadas, infelizmente, pois seguimos hipócritas, mesquinhos e interesseiros, pois, humanos, quem nos dera, “evoluirmos” um pouco para cachorros.
A história começa com Rubião herdando uma fortuna, de Quincas Borba - o filósofo, junto com a guarda do Quincas Borba - o cachorro. Rubião, um simples e humilde professor, passa, então, a compreender a filosofia obscura do Quincas, o Humanitismo, e acompanhamos sua ascensão social repentina e atrapalhada.
Não sou ingênua de afirmar que compreendi tudo, digo e repito, esta é uma obra profunda e repleta de camadas, se alcancei duas ou três, já consigo delas tirar muito pano pra manga. Do que fui capaz de captar, muito graças a leitura conjunta que fiz (organizada pelo canal Ler Antes de Morrer), poderia escrever fartamente, porém deixo todas as batatas para que as peguem ao ler, já que ao contrário das batatas da filosofia ficcional de Quincas, as batatas literárias são infinitas. Quincas Borba é um daqueles livros que você termina com a promessa, “aah meu amigo, no futuro te encontrarei novamente”.