spoiler visualizarHelena.Seribelli 03/01/2023
Aqueles que abandonam Omelas
?Não eram pessoas simples, veja bem, embora fossem alegres.?
?[?] não eram pessoas simples, nem pastores dó- ceis, bons selvagens, utópicos mansos. Não eram menos complexos do que nós. O problema é que temos o péssimo hábito, encorajado por pessoas pedantes e sofisticadas, de considerar a felicidade uma coisa um tanto idiota. Apenas a dor é intelectual, apenas o mal, interessante.?
?Eis a traição do artista: a recusa em admitir a banalidade do mal e o terrível fastio da dor. Se você não pode com eles, junte-se a eles. Se doer, repita. Mas louvar o desespero é condenar o prazer, abraçar a violência é perder o controle de todo o resto. Quase perdemos o controle; não podemos mais descrever um homem feliz, nem celebrar a alegria de qualquer maneira.?
?A felicidade é baseada em um discernimento justo sobre o que é necessário, o que não é nem necessário nem destrutivo e o que é destrutivo.?
?Mas seria melhor que não houvesse templos em Omelas - ao menos não templos habitados. Religião, sim; clero, não.?
?O que mais, o que mais pertence à cidade jubilosa? Seguramente, a noção de vitória, a celebração da coragem. Mas, assim como
fizemos com o clero, vamos abrir mão dos soldados. A alegria construída sobre o massacre bem-sucedido não é o tipo correto de alegria, não basta, é temerosa e é trivial.?
?Todos sabem que a criança está lá, todos os habitantes de Omelas. Alguns foram vê-la, outros se contentam em saber que está lá. Todos sabem que tem de estar lá.?
?Eram esses os termos. Trocar todo o bem e a dádiva de cada vida de Omelas por aquele pequeno e único benefício: jogar fora a felicidade de milhares pela possibilidade de felicidade de um só, isso seria, sem dúvida, deixar a culpa entrar pelas paredes.?
?Muitas vezes, quando a veem e enfrentam esse terrível paradoxo, os jovens voltam para casa aos prantos ou em uma raiva sem lágrimas. Podem remoer aquilo por semanas ou anos. [?] As lágrimas diante da amarga injustiça secavam quando começavam a perceber a terrível justiça da realidade e a aceitá-la. Ainda assim, são suas lágrimas e raiva, a tentativa de generosidade e de aceitação de sua impotência que constituem, talvez, o verdadeiro manancial de esplendor de suas vidas. A felicidade delas não é banal ou irresponsável. Elas sabem que, como a criança, não são livres. Conhecem a compaixão.?
?Deixam Omelas para trás, seguem em frente para a escuridão e nunca voltam. O lugar para onde vão é um lugar mais difícil ainda de imaginar para a maioria de nós do que a cidade da alegria. Não consigo descrevê-lo em absoluto. É possível que nem exista. Mas eles parecem saber para onde estão indo, aqueles que abandonam Omelas.?