Coisas de Mineira 17/06/2020
Vitorianas Macabras _ A Darkside Books fez um pacto de respeito com a Macabra TV e o resultado disso não poderia ter sido de melhor qualidade: uma coletânea composta por três livros bem macabros. A Carol Nery já falou do primeiro aqui, o “Antologia Macabra”, onde os 12 contos são uma ode ao terror. Hoje então eu venho falar sobre a parte clássica e feminina do pacto, a antologia Vitorianas Macabras, composta por 13 contos de 13 autoras vitorianas diferentes. A antologia é traduzida e organizada por Marcia Heloisa, um nome já conhecido do terror na editora, sendo também responsável por obras como Drácula e as antologias do Edgar Allan Poe.
Se você gosta de terror e horror, é bem provável que o período vitoriano seja algo marcante em sua mente. Esse período nada mais é do que a época em que a Rainha Victoria esteve no trono da Inglaterra, o que compreende o longo reinado de 1837 a 1901, ano de sua morte. Falar sobre as obras deste período sem falar sobre a vida da própria rainha Victoria se torna impossível, uma vez que ela incentivou toda uma nação, favorecendo bastante o clima sóbrio, gótico e de culto à morte que se instalou no país. E Vitorianas Macabras já começa aí, falando antes de mais nada sobre a vida dessa peça-chave de toda a antologia.
Victoria foi uma criança da realeza com muito poucas chances de alcançar o trono, porém, devido à uma sucessão de fatos, isso mudou e ela precisou assumir o trono muito jovem, aos 18 anos. Isso fez com quem tivesse uma criação muito rigorosa e restritiva por parte de sua mãe. Ao conhecer um primo distante, se apaixonou perdidamente, casou-se e com ele teve alguns filhos. Acredito que devido as restrições de vida, ela se manteve muito carente e dependente do marido, chegando ao ponto de ter ciúmes dos próprios filhos.
No entanto, após alguns anos de casamento, seu marido veio a falecer. Isso a deixou completamente devastada. Então ela decidiu que seguiria tudo como se ele ainda estivesse vivo, empregados continuariam a levar comida até seu quarto, mandou fazer estátuas pela casa… Nessa época estavam começando a se desenvolver casos de paranormalidade e existem indícios de que a Rainha mantinha em sua casa um empregado que conseguia “receber”o espírito de seu marido. Logo, toda essa situação de culto e apego após à morte gerou um grande impacto na cultura do país, implicando em seus costumes e cultura.
Mas o livro não é “o mais do mesmo” e aborda alguns dos famosos escritores góticos da época. Na verdade, ele vai além. Pois não podemos esquecer que paralelo a toda a questão da morte e paranormalidade, temos uma época muito retrógrada para os direitos femininos. Vitorianas Macabras, como o nome já diz, vem homenagear 13 autoras transgressoras do seu tempo que também abraçaram o terror, mas que não obtiveram obrigatoriamente o reconhecimento necessário (algumas até utilizavam pseudônimos masculinos). É importante saber que dentre o célebre grupo, 10 nunca haviam sido traduzidas para o português!
E a edição da Darkside está tão fantástica e respeitosa que em cada início de conto existem duas folhas de apresentação de cada autora, contendo sua foto de página inteira, nome completo, pseudônimo (se for o caso), período de vida, signo (SENSACIONAL!!! Hahaha) e um resumo da história. A mais famosa de todas elas é com certeza Charlotte Bronte, autora de Jane Eyre, por isso acho essencial listar todas aqui, até como forma de respeito e exaltação:
Charlotte Brontë
Elizabeth Gaskell
Charlotte Riddell
Edith Nesbit
Violet Hunt
Vernon Lee
May Sinclair
Margaret Oliphant
Mary Elizabeth Braddon
H. D. Everett
Rhoda Broughton
Louisa Baldwin
Amelia B. Edwards
Os contos são sensacionais. Abrangem vários dos temas sombrios que perpetuavam na época, como aparições inexplicáveis, mortos-vivos, assombrações, perturbações psicológicas… Tudo isso com ambientação londrina gótica clássica que estamos habituadas a ver assinadas por nomes masculinos. Obviamente tenho meus preferidos voltados para o horror, aqueles que me causaram aquela sensação prazerosa de frio na espinha que todo leitor do gênero procura. São eles:
Charlotte Riddel – “A Porta Sinistra“
Intrépido rapaz, demitido recentemente de uma imobiliária, se oferece para investigar o mistério de uma porta que não fecha em uma mansão mal-assombrada.
Louisa Baldwin – “O Mistério do Elevador“
Ascensorista em hotel de luxo descobre que nem todos os hóspedes que entram no elevador são o que parecem.
Elizabeth Gaskell – “O Conto da Velha Ama“
Velha ama recorda acontecimentos sinistros de sua juventude em uma mansão assombrada por eventos do passado.
No entanto, acho de extrema importância citar o conto curtinho, de 02 folhas, “Napoleão e o Espectro”. Escrito por Charlotte Brontë, tem como personagem principal uma figura histórica muito importante, o antigo Imperador da França Napoleão Bonaparte. Ainda que no ano de publicação (1833) este já estivesse morto, inclusive já estava até mesmo quando a autora nasceu, achei bem ousado da parte da mesma trabalhar com uma figura de poder masculino e colocá-la em tal situação como ele se encontra no conto (fica aí a curiosidade de vocês!).
Mas você pensa que acabou? Já foram motivos suficientes pra ficar curioso e encantado com essa edição? Não seria DarksideBooks se você não ficasse ainda mais extasiado ao virar uma nova página. O livro traz ao final uma enciclopédia (não teria melhor nome pra ser utilizado) que rasga todo o véu do brilho e classe da origem de tantas bizarrices do período vitoriano, começando pela vida e luto da própria rainha. Consequentemente, mostra também o que estava acontecendo longe dos palácios, as doenças, sujeiras, crianças abandonadas, esportes clandestinos…
Na Londres vitoriana, por traz dos famosos cenários de histórias como Sherlock, Dorian Gray, Drácula, O Médico e o Monstro, entre outros, ou da conhecida cultura de venda de penny dreadfuls (contos de horror por um penny – “centavos”) existiam terrores reais. Crueldades como as do assassino Jack, o Estripador, as podridões encontradas no Rio Tâmisa, os hospícios, freak shows, workhouses…
Mas confesso a vocês que o que mais me impactou foram as Baby Farms, principalmente por este se tratar de um livro voltado para a exaltação do poder feminino em uma época retrógrada. Nestes locais, mães sem condições ou fugindo de julgamentos deixavam seus bebês para serem criados, pagando por este serviço, até que as crianças pudessem ser negociadas para outras famílias. Com isso surgiram as “assassinas de bebês”, que criavam uma fachada de Baby Farm para atrair mulheres desesperadas, tomar seu dinheiro e depois matar a criança e jogar no Rio Tâmisa.
O livro faz ainda uma travessia pelo cinema e TV, citando diversos filmes e séries que abordam o período de diferentes formas. Eles vão desde o horror e terror trash ao romance de época e histórico. Para finalizar temos ainda uma análise dessa relação do período vitoriano com a passagem da morte, algo que se reflete muito nas inúmeras histórias de aparições e fantasmas. E os ritos de passagem são abordados com fotos memoráveis. Que edição!
Enfim, era pra esse texto ser bem menor do que foi, mas eu não consegui. Vocês vão entender assim que estiverem com este exemplar em mãos. É tanta informação que você não sabe dizer com o que ficou mais impressionado. Muito menos resumir a empolgação! Preciso elogiar mais uma vez esse pacto entre a DarksideBooks e a Macabra TV, pois quando dois talentos se unem é óbvio que o resultado será surpreendente.
Com uma edição lindíssima em capa dura e com o corte de páginas em preto, além de todas as artes internas voltadas para o período que retrata, Vitorianas Macabras é um mergulho gótico feminino em um período que, com certeza, ensinou (e experimentou) tudo que vemos no horror de hoje. Por isso todos os seus personagens, e principalmente TODAS, devem reconhecidas como merecem.
Por: Karina Rodrigues
Site: www.coisasdemineira.com/vitorianas-macabras-resenha/