spoiler visualizarJulio 22/07/2023
A criança obstinada, a mãe egoísta, o maníaco ofegante
Lolita é um livro que a muito divide opiniões, com uma leitura carregada, poética e pesada, a obra nos leva a adentrar na mente de um maníaco sexual e assistimos, como júri, sua história. Uma história trágica de uma obsessão disfarçada de amor, de exploração disfarçada de romance. Lolita trata de assuntos delicados como a pedofilia e abuso psíquico de uma forma genuinamente profunda.
Antes da famosa frase "Lolita, luz da minha vida", temos a apresentação da obra. No prefácio, descobrimos que todos os presentes na obra estão mortos, que Humbert, além de chato, é um maníaco não confiável e, no último parágrafo, temos um vislumbre da finalidade da obra: "Lolita devia fazer com que todos nós ? pais, assistentes sociais, educadores ? nos dedicássemos com vigilância e consciência ainda maiores à tarefa de criar uma geração melhor num mundo mais seguro".
Um dos grandes pontos do livro é sua escrita poética e extremamente descritiva. Nabokov escreve com uma habilidade extraordinária as longas viagens de H. H. e Dolores Haze. O contraste entre as lindas paisagens e a história sombria traz uma grande profundidade à obra.
Em uma análise bem superficial dos personagens, podemos entender algumas coisas:
Humbert Humbert:
Um professor pra lá dos seus 40 anos, um homem que acredita no poder de ninfetas. Mas, quando descreve quem reconhece essas criaturas, descreve sua própria visão de si mesmo. Quando Humbert afirma que só homens iguais a ele podem ver esses "demônios", deixa claro que elas só existem na cabeça de pedófilos. O narrador da história se contradiz e mente para seu júri, ele não é e nem nunca foi um narrador confiável e faz isso nas linhas floridas de sua narrativa. No livro, ele se casa com Charlotte para ficar mais perto de Dolores.
Charlotte Haze:
Viúva e mãe emocionalmente ausente, odeia a própria filha e tem ciúmes doentio do marido Humbert.
Dolores Haze:
Apresentada por Humbert no primeiro capítulo, "Ela era Lo, apenas Lo, pela manhã, um metro e quarenta e cinco de altura e um pé de meia só. Era Lola de calças compridas. Era Dolly na escola. Dolores na linha pontilhada. Mas nos meus braços sempre foi Lolita." Dolores, a vítima sem direito a fala, calada por seu agressor e pelo destino, podendo apenas se expressar pelas entrelinhas e contradições de seu padrasto e agressor, se vê presa a Humbert após a morte de sua mãe. É constantemente manipulada e abusada por ele, e podemos ver sua degradação mental conforme o livro avança. Ela foge das garras de seu agressor com um dramaturgo, mas ele também não é uma boa pessoa. Em contraponto, vemos seu alter-ego, Lolita, criada por Humbert, uma genuína ninfeta que seduz homens e destrói suas vidas, uma pessoa que só existia entre as paredes nojentas da mente de Humbert.
Pela descrição dos personagens, podemos perceber que Lolita não só critica a visão machista da sociedade contemporânea, onde a vítima sempre tem culpa e nunca tem voz, mas também critica a demonização dos estupradores, ou seja, a visão de abusadores monstruosos que vivem em becos escuros esperando a oportunidade perfeita para seus crimes, as consequências da ausência parental nas vidas das crianças, etc.
É um livro que eu não recomendo pelo seu conteúdo pesado, mas acho que todo mundo que está acostumado a conteúdos desse tipo deveria ler e tentar apreciar, de uma certa forma, a obra.