Naty 14/06/2016
Um livro interessante e que traz várias vertentes filosóficas e as críticas do autor às mesmas inbutidas em uma obra ficional.
Comecei a ler A Cidade e as serras porque é livro obrigatório da FUVEST, mas eu até que gostei bastante. A lentidão narrativa e o capricho vocabular do autor deixam, muitas vezes, a história maçante. Antes de ser livro, essa história era apenas um conto mais resumido o que eu acho que seria mais interessante, pois muitas partes desse livro poderiam ser bastante resumidas.
Mesmo com toda essa lentidão do autor, eu reuni coragem e li. Achei esse livro bem interessante. As sutis críticas que ele apresenta são bem colocadas e a ironia da vida de Jacinto consegue entreter o leitor de certa forma.
Esse livro é contado em primeira pessoa por um amigo de Jacinto chamado Zé Fernandes. Ele costuma chamar o Jacinto de príncipe como uma forma de ironizar o próprio amigo: " Bem se afirmava, na realidade, esse Jacinto como príncipe da Grã-Ventura.", pois Jacinto vivia numa luxuosa casa com todos os aparatos tecnológicos possíveis, bibliotecas com inúmeros livros nunca lidos, mas, pena, achava tudo tediante e o mundo infeliz.
Uma das teorias de Jacinto é que a suma ciência mais a suma potência geram a suma felicidade, pois, para ele, a felicidade perfeita provem de uma realização material que rompa as barreiras do determinismo natural através do possibilismo tecnológico.
Percebe-se que, para Jacinto, a alma do homem só tem valor e só se desenvolve em toda a sua plenitude se ele estiver no que chama de civilização. Para ele, o campo animaliza o homem e o impede de chegar ao seu máximo potencial.
Uma parte do livro diz: " Desde as oito horas a campainha do telefone repicava por ele, com impaciência, quase com cólera, como por um escravo tardio". Aqui vemos a opinião do autor, Eça de Queiroz, sobre as inovações tecnológicas. Para ele, a civilização que as pessoas da sua época tanto exaltavam, assim como fazia Jacinto, era a mesma que o escravizava na rotina e trava a alegria de viver e de experimentar.
O autor também critica a desigualdade social mostrando que a cidade se construía e se desenvolvia na amargura dos mais pobres: " Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se comtempla de cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço?"
O Zé Fernandes passa a perceber também o tédio e o pessimismo que rondavam Jacinto que já não via graça nem novidade nas coisas. Um dos empregados da casa faz uma afirmação muito interessante: " S. EXª sofre de fartura".
Até que, num passeio, Zé Fernandes começa a mostrar a cidade de Jacinto tanto admirava e adorava por outras perspectivas e este acaba realmente acordando um pouco do seu transe de que a cidade e a civilização são a fonte da suma felicidade.
Uma das partes mais interessantes desse discurso de Zé Fernandes é: " O homem pensa ter na cidade a fonte de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria...Na cidade findou a sua liberdade moral, cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência, pobre e subalterno, sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto a sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos...A sua tranquilidade onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugida rodela de ouro! Alegria como a haverá na cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar, e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na cidade se desumanizam!...As amizades nunca passam de alianças que o interesse...ata apressadamente com um cordel apressado, e que estalam ao menor embate da rivalidade ou do orgulho...Mas o que a cidade mais deterioriza no homem é a inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância..."
Outro pensamento filosófico de Zé Fernandes para tentar modificar o pensamento de Jacinto foi essa frase: " E com esse labor e este pranto dos pobres, meu príncipe, se edifica a abundância da cidade."
Tem uma parte no livro em que já conto está tão envolto em seu pessimismo que Zé Fernandes o compara à Salomão. Essa é uma parte bem interessante e crítica da história. Jacinto chega a afirmar: " Tudo é indiferente, Zé Fernandes"
Após toda essa parte, Jacintto acaba indo para o campo por causa de imprevistos com a ossada de sua família. Antes de ir, envia vários caixotes com todos os seus equipamentos para o campo além de seus muitos livros, mas a remessa acaba se perdendo e, quando eles chegam à propriedade de Jacinto nas serras de Portugal, eles só tem a roupa do corpo e comem da culinária popular. é, a partir desse reencontro com suas origens lusitanas, que Jacinto passa a recriar dentro de si a vontade de viver e a felicidade. Ele não volta mais à Paris.
Em uma de suas declarações, Jacinto critica o pessimismo que antes tanto o cercava: " Ó! Que engenhosa besta, esse Schopenhauer! E maior besta eu, que o sorvia, e que me desolava com sinceridade!...O pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal...Quem se queixaria de ser cocho se toda a humanidade coxeasse?...O pessimismo é excelente para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da inércia. Se toda meta é um monte de dor onde a alma se esbarra, para que marchar para a meta, através dos embaraços do mundo?"
Outra fase muito interessante é esta: " Tu tens, em abundância, todos os quatro elementos: o ar, a água, a terra e o dinheiro."
No campo, Jacinto começa a mudar a situação de muitos pobres da região que passam a achar que ele é o próprio D. Sebastião que voltou. Jacinto, então, passa de um estágio inicial de culto à civilização e parisianismo para um bucolismo intendo. Ele chega a andar por suas terras citando trechos de obras do arcadismo.
É lá, no campo, que Jacinto vai começar uma família e, antes do fim, Zé Fernandes retorna à Paris retratando o horror da cidade e voltando a serra para viver na simplicidade que, pelo jeito, era a ideia de Eça de Queiroz sobre a felicidade.
Não que eu concorde totalmente com as ideias nesse livro apresentadas, mas estas são bem interessantes e acho que muitos deveriam dar uma chance a esse livro da literatura de Portugal que conquistou os vestibulares do Brasil. Pena que ele é lento.
As melhores partes são as filosóficas e as tiradas sarcásticas do autor, o restante é cansativo, mas dá para ler.
Tomara que gostem como eu ou mais. 4 estrelas, nada mais, nada menos.