Procyon 10/05/2024
O Apanhador no Campo de Centeio ? comentário
?E até parece que foi ontem
Minha mocidade
Com diploma de sofrer
De outra Universidade
[?]
E vou viver as coisas novas
Que também são boas
O amor, humor das praças
Cheias de pessoas?
? Tudo Outra Vez (Belchior)
?Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas,bpara dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins ? não é isso que estou dizendo ?, mas são sensíveis pra burro.? (p. 7)
?[?] A melhor coisa do museu é que nada lá parecia mudar de posição. Ninguém se mexia. [?] Ninguém seria diferente. A única coisa diferente seríamos nós. Não que a gente tivesse envelhecido nem nada. Não era bem isso. A gente estaria diferente, só isso.? (p. 120)
?O Apanhador no Campo de Centeio? (1951), livro escrito pelo americano J.D. Salinger, se passa num fim de semana na vida de Holden Caulfield, um adolescente inconformado, rebelde, irônico e teimoso, fragilizado por traumas da infância, e com uma insatisfação internalizada da vida e de si mesmo. Holden é expulso da escola por más notas e evita contar aos pais, de modo que passa a perambular por Nova York e rememora o seu passado a fim de evitar seu confronto com o presente e até mesmo com o futuro. O livro possui vinte e seis capítulos, trazendo um enredo trivial e uma narração despojada, porventura repetitiva, fazendo vez a um narrador adolescente, alienado e individualista, figurando uma espécie de ?cowboy urbano? (note-se o uso recorrente que ele faz de um chapéu).
?A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa.? (p. 183)
Como uma espécie de ?romance de formação?, o livro traz temas como a angústia, a solidão, a alienação, além de possibilitar críticas ao sistema educacional, às relações familiares, aos relacionamentos amorosos, à corrupção do homem pela perda da inocência e à superficialidade da sociedade. Parece ainda inaugurar, dentro do cânone americano, personagens desajustados, visto que Holden antecipa a figura de um James Dean (este, claro, no âmbito cinematográfico), além de trazer uma crítica ao american way of life, em voga na onda cultural conservadora dos Estados Unidos do pós-guerra. Na parábola que dá título ao livro ? que, por sua vez, vem de um poema do poeta escocês Robert Burns ?, Holden, querendo evitar que as crianças caiam no precipício, quer na verdade evitar que elas se tornem adultas, o que evidencia seu medo de adentrar na vida social. O fim da infância e a perda das ilusões são, por si só, temas universais, não só na literatura, e que se agravam ainda mais em nossos tempos de século XXI.
?As pessoas estão sempre pensando que alguma coisa é totalmente verdadeira. Eu nem ligo, mas tem horas que fico chateado quando alguém vem dizer para me comportar como um rapaz da minha idade. Outras vezes, me comporto como se fosse bem mais velho ? no duro ? mas aí ninguém repara. Ninguém nunca repara em coisa nenhuma.? (p. 14)
?Não é nada engraçado ser covarde. Talvez eu não seja totalmente covarde. Sei lá. Acho que talvez eu seja em parte covarde, e em parte o tipo de sujeito que está pouco ligando se perder as luvas. Um de meus problemas é que nunca me importo muito quando perco alguma coisa [?]. Tem gente que passa dias procurando alguma coisa que perdeu. Eu acho que eu nunca tive nada que se eu me importaria muito em perder. Talvez por isso eu seja em parte covarde.? (p. 91)
?Esta queda para a qual você caminhando é um tipo especial de queda, um tipo horrível. O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir ou sentir o baque de seu corpo no fundo. Apenas cai e cai. A coisa toda se aplica aos homens que, num momento ou outro de suas vidas, procuram alguma coisa que seu próprio meio não lhes podia proporcionar. Ou que pensavam que o seu próprio meio não lhes poderia proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes mesmo de começá-la de verdade.? (p. 182)
?A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo.? (p. 205)