Lethycia Dias 24/02/2023A partir da metade, é perda de tempoNormalmente eu passaria longe de livros de autoajuda e desenvolvimento pessoal, mas decidi ler esse por saber que a autora partiu de sua própria experiência e de seu próprio incômodo com a sensação de ser incapaz para começar a pesquisar sobre a síndrome de impostor(a).
A parte que ela fala de como já foi afetada por isso, de quantas oportunidades não soube aproveitar ou como se sentiu mal com as próprias conquistas é realmente muito boa, e eu me identifico com quase tudo o que ela menciona nesse capítulo. Até aí, o livro é muito bom. A partir da metade é que o conteúdo começa a ficar duvidoso.
No capítulo seguinte, que propõe reconhecer o problema e aprender a identificar os nossos gatilhos para nos sentirmos impostoras, alguns dos exercícios para combater a "voz" da impostora são muito bons. Mas outras das soluções que a autora propõe são muito presas à realidade da própria autora e não fazem sentido para "mulheres comuns". Planner mensal baseado em como o ciclo menstrual afeta nosso humor? Evitar apresentar projetos no período de TPM, e deixar para começar coisas novas no período fértil? Palhaçada! Essas orientações sobre se conhecer melhor e saber como os hormônios afetam o humor para "ter uma rotina melhor no trabalho" só parecem possíveis para mulheres que ocupam cargos executivos e/ou de liderança em grandes empresas, com rotina de reuniões executivas e etc. Não dá pra uma pessoa normal com emprego normal escolher que tipo de demandas vai cumprir no trabalho porque "durante essa semana o meu ciclo não favorece esse tipo de atividade". Pensar nisso é ridículo!
Até que a autora tenta, ao longo do livro, considerar outros tipos de vivência e realidade - em certo trecho, ela menciona que pessoas de grupos marginalizados ou de minorias sociais, independente do gênero, também são muito afetadas pela síndrome de impostor - mas no fim, as soluções apontadas só parecem possíveis pra quem está na mesma classe social que ela.
O pressuposto de que tantas mulheres são afetadas pela síndrome de impostora por causa do machismo estrutural e do quanto nossas capacidades são subestimadas desde a infância faz todo o sentido, mas não é "dando as mãos" pra todas as outras mulheres que se vence um pensamento retrógrado da sociedade. Em ambientes de trabalho - porque é principalmente desse contexto que a autora fala - também existe mulher babaca, que vê defeito em tudo no trabalho dos outros, que pisa em quem ta embaixo só porque ocupa uma posição de poder, mesmo que abaixo dela estejam outras mulheres. A sugestão de "pedir desculpa a todas as mulheres que você já julgou" parece papo de quem descobriu o feminismo no mês passado e ainda ta deslumbrada com a ideia, sem considerar recortes de raça, classe, orientação sexual ou o próprio fato de que pessoas diferentes pensam de forma diferente e têm objetivos e ideais diferentes.