Ludmilla Silva 19/07/2022"A gente não tá errado em existir"Arlindo deveria ser considerado como patrimônio cultural do Brasil, porque sério que história fantástica, extremamente linda, crua e sensível. Fazia tempo que eu não me emocionava tanto com uma história assim, logo na primeira página meu olho encheu de lágrima já nas últimas eu estava me debulhando de tanto chorar. Você termina a história com o coração quentinho e com uma satisfação gigantesca.
A HQ conta a história de Arlindo um adolescente que mora no interior do Rio Grande do Norte e sofre bastante por ser gay. A história de Arlindo é a história de milhares de LGBTQIA+ no Brasil, ou seja, aqueles que nascem no interior de um Estado, que não são abertamente assumidos, mas que ainda sofrem bastante com estereótipos e especulações. Já na primeira página Arlindo fala “eu sempre imaginei como seria existir num lugar onde meu nome fosse outro e a cidade fosse outra” e não tem representação melhor do que essa, de querer fugir da sua cidade de origem para de fato poder viver e existir em outro lugar, simplesmente porque as pessoas ali não entendem (ou não querem entender) o que é distinto do padrão.
O quadrinho é cheio de nuances, o que mais me conquistou foram os detalhes em relação à cultura brasileira. Obviamente vale lembrar que esse é um quadrinho brasileiro, escrito pela maravilhosa Luiza de Sousa ou Ilustralu, assim vários detalhes e easter eggs apenas nós brasileiros entenderemos como: o pano de prato no ombro, a camisa de time ou a camisa de político local, as músicas marcantes da Sandy e Júnior e da Pitty, as casinhas de muro baixo no interior, a conversa no MSN, dentre vários outros. A história se passa entre 2007 e 2008 e além de todos esses detalhes extremamente valiosos há a questão da nostalgia que para mim, foi sensacional, eu ficava fascinada com cada detalhe.
Além do Arlindo, as figuras femininas aqui roubam a cena, como a avó do Arlindo, a tia dele e principalmente sua mãe. Isso nos mostra também que aceitação e empatia é tudo questão de caráter e não de idade ou de origem, a vó do Arlindo tem uma filha lésbica e em todas as páginas que aparecia ela foi totalmente compreensiva, inclusiva e empática, não havia dúvida sobre o amor dela quanto a filha e depois o seu amor quanto ao Arlindo, e a mesma coisa aconteceu com a mãe do Arlindo. São pessoas mais velhas do interior do Brasil, elas provavelmente não vão entender a pauta e a cultura popular LGBTIQA+, porém isso não é relevante, elas entendem o amor e mesmo em uma cidade e casa extremamente abusiva elas nunca deixaram o Arlindo se esquecer de que era amado e de que deveria sim existir.
O pai do Arlindo é um grande babaca, abusivo e preconceituoso e eu amei como a mãe do Arlindo não relutou em momento algum para defender o filho. Infelizmente, ainda há muitos casamentos heteronormativos abusivos, a exemplo dos pais do Arlindo, e eu pensei que quando Arlindo se assumisse a mãe fosse ficar do lado do pai, mas ela não pensou um segundo sequer quando viu o filho sendo maltratado e eu achei isso incrível, mostra a força e o amor da mãe brasileira e ainda critica aquele pai ausente que pensa que criar o filho é só pagar parte das contas.
Para além desse núcleo familiar, outro ponto de destaque na narrativa são as amizades do Arlindo e eu amei que tem de tudo, tem traição, briga, companheirismo, descoberta de sexualidade, sensibilidade, dentre várias outras temáticas. Cada personagem é único e traz ainda mais unicidade a história. Amo como o Arlindo e seus amigos têm sua bolha própria onde eles podem se proteger de todo o ódio e toxicidade da escola e também da cidade, em adição adorei que o “vilão” tem uma espécie de redenção no final e também o cara que parecia legal é na verdade só um babaca mesmo.
Não dá para falar de como amei todos os amigos, mas dá para falar da edição do quadrinho. Sério, acredito que esse é um dos quadrinhos mais bonitos que eu já vi em toda a minha vida, ele é muito grande, com uma capa colorida e vibrante e todas as outras 200 páginas são repletas de amarelo, rosa e preto, são cores extremamente marcantes que combinam cem por cento com o Arlindo e com o seu universo.
Esse quadrinho é basicamente o retrato do LGBTQIA+ brasileiro, é uma história linda, sensível, única e além de tudo é um pedaço de resistência. É uma forma de trazer conscientização e respeito para tantas pessoas que são, todos os dias e em todos os lugares, inviabilizadas, silenciadas e mal compreendidas. Obrigada por tudo, Luiza, sei que a HQ não transformará todas as pessoas preconceituosas do Brasil, mas sei que impactou a vida de muitas pessoas que se viram ali representadas pela figura corajosa do Arlindo.
Ilustralu disse em sua entrevista ao podcast “As perpétuas” que essas cores pintadas ao longo de todos os quadrinhos foi uma forma que ela achou de preencher o espaço que sobrava, pois Arlindo foi uma HQ que ela fez justamente para poder aprender a fazer outras HQs e me fascina o quão incrível é essa arte mesmo sendo “experimental”. Amo que o quadrinho é político e começou a ser escrito em represália as atrocidades nojentas que o genocida vivia falando e continuou falando desde 2018.